quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

LÍDER INDÍGENA É MORTO A FACADAS



Líder Guarani-Kaiowá é morto a facadas no Mato Grosso do Sul. Segundo Conselho Indigenista Missionário, ele foi assassinado a caminho de casa

MARCELLE RIBEIRO
O GLOBO
Atualizado:4/12/13 - 14h23

Ambrósio Vilhalva em 2008, no Festival de Veneza, onde o filme 'Terra vermelha' foi exibido. O documentário mostrava a luta dos índios Guarani-Kaiowá para retomar a terra de seus ancestrais DAMIEN MEYER / AFP


SÃO PAULO - O líder indígena Ambrósio Vilhalva, da etnia Guarani-Kaiowá no acampamento Guyraroká, na cidade de Caarapó, em Mato Grosso do Sul, foi morto a facadas na noite do último domingo, segundo o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), órgão da Igreja Católica vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). De acordo com o CIMI, ele foi assassinado a caminho de casa, na própria aldeia em que vivia.

Em 2008, o líder foi um dos protagonistas do filme “Terra Vermelha”, co-produção italiana e brasileira, que conta a história de uma tentativa da tribo Guarani-Kaiowá de retomar a terra de seus ancestrais, vizinha a fazendas.O CIMI afirma que, de acordo com informações preliminares, Vilhalva pode ter sido morto por outro índio.

De acordo com o CIMI, nos seus últimos dias de vida, Vilhalva vinha bebendo muito e tinha comportamento hostil com os indígenas da aldeia. Segundo o conselho, o uso compulsivo de bebidas e o suicídio têm se tornado comum entre comunidades indígenas no país.

‘Estamos bravos. Assim eles vão nos matar’, diz liderança Awá. Após vencer a desconfiança dos índios, ouve-se o desabafo: ‘Quero ficar na minha casa’

MÍRIAM LEITÃO, COM FOTOS DE SEBASTIÃO SALGADO
O GLOBO
Atualizado:4/08/13 - 10h12


O jovem guerreiro Jui´i ao lado de sua esposa. ‘Eles têm força, mas nós tem coragem também’ © Sebastião Salgado/Amazonas Images / O Globo


ALDEIA JURITI, TERRA AWÁ, MARANHÃO - Os índios chegaram, alguns vestidos só com seus adornos e carregando arco e flecha, e ficaram em pé em frente à casa. Muitos estavam gripados. Nós nos aproximamos e Sebastião Salgado tentou explicar, com a ajuda de Patriolino, coordenador do posto da Funai no Juriti, e José Pedro, outro sertanista, que falam um pouco de Guajá, por que estávamos lá. Falei também. Disse que escreveria para outros saberem o que acontecia. Era o começo do segundo dia, e a nossa chance de quebrar o gelo. Eles ficaram em silêncio quando paramos de falar. Depois, Piraíma’á começou a falar, e sua voz foi se elevando, eloquente. Depois, seu filho, Jui’í falou. O resto da tribo repetia algumas frases. Tudo foi traduzido depois por Uirá Garcia. O antropólogo não havia chegado, mas lhe enviei arquivo sonoro.

Trechos dos discursos são suficientes para se entender o que sentem:

— Estamos bravos com os brancos (não indígenas). Eles estão na floresta e isso me deixa realmente zangado. Por que eles estão tirando as árvores? Eles mexem na mata, aqui, ali, em todo lugar. Os madeireiros fazem isso. Assim eles vão nos matar, vão matar meus filhos. Assim os madeireiros vão matar todos os nossos parentes. A casa dos brancos já está toda desmatada. A minha casa é a floresta. Quero ficar na minha casa. Na floresta. É dela que eu vivo, e lá eu vou andar, vou caçar e pescar. Eles, os madeireiros, estão matando as árvores, estão matando os Awá.

A voz de Piraíma’á subia de tom, quase aos gritos, às vezes. De vez em quando, ouvia-se uma única palavra em português: “madeireiro”. Era possível se emocionar, mesmo sem saber a língua. Os outros índios, às vezes, se levantavam, inquietos. Depois ouviam em silêncio. Piraíma’á continuou:

— A minha área está cheia de fazendas de gado. Os madeireiros estão matando as árvores. Uma árvore dura, muito dura e grande, e eles conseguem derrubar. Eu vou enfrentar esses brancos madeireiros. Eu tenho coragem. Estou aqui e vou brigar com eles. A minha casa é aqui, a casa dos brancos é bem longe. É na cidade. A minha casa é aqui na floresta. Eu tenho coragem. Vou resistir. Eu não tenho medo, não.

Ele ficou em silêncio, os demais índios, quietos. Juí’í saiu, tirou as roupas que usava, voltou apenas com adornos da tribo e se sentou ao lado do pai e da mãe. Eles não têm um chefe, mas Piraima’á é a liderança mais forte. Seu filho é o líder dos jovens. E Juí’í começou a falar:

—Eu sou Awá-guajá. Não sou outro tipo de índio, não. Há outros parecidos com os brancos, ficam perto dos brancos. Eu sou da floresta mesmo. Eu fico na floresta. A floresta me dá minha comida. Pergunto para o meu irmão: irmão, por que os brancos não param de matar as árvores? Eles têm lanterna, munição, espingardas. Eu não tenho nada. Eu sou Awá-guajá de verdade. Agora na seca, a floresta está cheia de madeireiros. Eles ficam na floresta. Eles matam as árvores e vendem elas. Eu não tenho medo, vou ficar.

Ao fim, Sebastião falou suavemente. Agradeceu e contou que ficaríamos com eles, que iríamos para a floresta com eles. Pediu que nos mostrassem a mata, as belezas, os perigos. Principalmente, que mostrassem quem eram eles.

— Queremos saber o que é ser Awá. Povo bonito sô, povo bravo. Queremos ver isso. Por favor nos mostrem — disse ele. E foi traduzido.

Eles nos olharam intensamente e saíram. Ficamos sem saber se aquilo era uma concordância. Os dias mostraram que sim. Saímos primeiro com as crianças. Elas exibiram suas brincadeiras no Rio Caru. Durante duas horas, brincaram e Sebastião fotografou com paciência, cantando, baixinho, velhas músicas brasileiras. “Meu primeiro amor, foi como uma flor que desabrochou...” Ele canta para se concentrar.

O barulho da mata, a algazarra das crianças, uma índia que pescava do outro lado com seus filhos, a chegada de Amerytxiá, saindo do meio da floresta com seu cajado, foram acentuando a magia do momento e confirmando o cenário de um paraíso, que sabíamos estar sitiado.

No outro dia, fomos numa caminhada com os homens na mata. Eles reduziram o ritmo em que andam, mas para nós era um passo exigente. Os sons das araras e outros pássaros, eles usando só seus adornos, aquela caminhada batida, as árvores altas da floresta, tudo nos levava para o mundo deles. Houve um dia em que os jovens e crianças apareceram na casa da Funai. A maioria só olhou e sorriu, falando uma ou outra palavra. Pedi a Jui’í uma conversa longa e gravada, em português. Ele concordou e voltou a falar que os madeireiros estavam em todos os lugares. Primeiro, chegam os motoqueiros e marcam as árvores; depois, vêm os que cortam.

—Eu vi madeireiro. Eu estava escondido. Madeireiro tem arma pesada mesmo. É perigoso mesmo. Eles têm força, mas nós tem coragem também. Tem zoada de trator aí dentro, na cabeceira da Água Preta tem muita madeira marcada. Eu estou escutando zoada de trator.

Perguntei o que queria para o filho dele, que está para nascer. Ele disse que apenas a terra e a floresta. Ele é um dos poucos que já saiu de lá. Fez uma viagem para outra aldeia Awá para procurar alguma moça para casar. Achou Xikapiõ, nome de passarinho, e a trouxe com a mãe viúva e um irmão. Viajou uma vez com a Funai para Brasília. E tudo o que se lembrou, quando perguntei se tinha achado a cidade bonita, é que viu muita madeira na estrada. Jui’í me contou da sua vida e crenças. Disse que seu segundo pai é Uirahó. Entre eles formam-se duplas de amigos de infância que compartilham tudo, e um vira o segundo pai dos filhos do outro.

Tropas do Exército desembarcam na reserva

Não conseguiu me dizer em que idade eles viram guerreiros (Quando fica bravo, é guerreiro”). Cantou a música que o jovem guerreiro canta antes da primeira caça. O canto é para “subir ao céu” e pedir ajuda para achar a caça. Ele contou de um jeito engraçado a conversa com o ser celestial, que chamou de Tupã. Achou que eu não entenderia a ideia dos Karauaras.

— Nós fala: rapaz bota aí uma anta, bota animal para nós. A criança está chorando. E ele responde: ah, pois está, vou liberar um para vocês.

Ele contou que a caça está assustada por causa do barulho dos tratores, dos cortes de madeira, e está mais difícil caçar. Contou também que, de vez em quando, ouvem reprimenda no céu.

— Eles dizem: rapaz, tu é ruim demais. Deixa madeireiro entrar na tua área e roubar madeira. Aí, nasce filhotinho e morre tudo de fome.

Sebastião ficou mais duas semanas. Foi para dentro da mata e passou dias e noites com eles, vivendo com eles, da maneira tradicional. Voltou convencido dos riscos que correm:

— Eles são o povo mais ameaçado. Andei com eles, vi o sofrimento deles vendo as árvores marcadas, ou derrubadas.

Na semana seguinte, o Exército chegou lá com tropas, armas, blindados, parte de uma operação com o Ibama: a Hileia Pátria, para combater desmatamento e implantação de maconha.

— A chegada do Exército mudou todos os dados da região. Chegaram com um aparato considerável. Eles têm 700 homens, uma enorme quantidade de caminhões, blindados e estão muito armados. Além do problema da madeira, estão combatendo as plantações de maconha em terra indígena e, em parte, nas terras dos Awá. Na floresta, quando você tira as toras, criam-se as condições ideais para plantar maconha — contou Sebastião, antes de voltar a Paris.

Foram dias intensos, em que vimos uma cultura indígena milagrosamente conservada, nos restos de uma floresta sitiada pelo crime, em que conversei com agentes da cadeia do desmatamento e com posseiros, em que o Exército desembarcou na área conflagrada. Vários funcionários da Funai que ficam lá já foram ameaçados de morte. Segundo Maria Augusta Assirati, a presidente interina da Funai, nos próximos meses será feita a “desintrusão”. O chefe dessa operação de desocupação, Hélio Sotero, acha que a tensão aumentará:

—O momento mais tenso foi o da construção da Base de Proteção e Controle de Acesso ( o galpão onde dormimos antes de chegar à aldeia). Mas em agosto os trabalhos de retirada começarão. A partir daí, só Deus sabe.

INDIOS CERCAM PLANALTO E ENTRAM EM CONFRONTO COM SEGURANÇAS

CORREIO DO POVO 04/12/2013 12:45

AGENCIA BRASIL

Grupo protesta contra "inviabilização da demarcação de terras indígenas"



Índios cercam Planalto e entram em confronto com seguranças
Crédito: Antonio Cruz/Agência Brasil/CP


Depois de cercarem o Palácio do Planalto, em Brasília, nesta quarta, cerca de 1,2 mil índios de várias etnias estão neste momento divididos em manifestações no Congresso Nacional e diante do Ministério da Justiça. O grupo protesta contra o que classifica como mais uma iniciativa do governo federal para inviabilizar a demarcação de terras indígenas. A presidente Dilma Rousseff não estava no local.

Durante o protesto, os índios chegaram a entrar em conflito com seguranças do Palácio do Planalto e a fechar o trânsito em vários trechos da Esplanada dos Ministérios. O estopim da manifestação foi a minuta (esboço) de uma portaria que, segundo as lideranças indígenas, o Ministério da Justiça está produzindo. Representantes do movimento dizem ter tido acesso à cópia do documento no último final de semana. Segundo Sônia Guajajara, uma das coordenadoras da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o texto estabelece mudanças nos procedimentos legais necessários ao reconhecimento e à demarcação de terras indígenas.

A proposta, ainda segundo Sônia, visa a oficializar a proposta do governo federal de que outros órgãos de governo além da Fundação Nacional do Índio (Funai) sejam consultados sobre os processos demarcatórios em curso. A proposta foi apresentada pela ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, ainda no primeiro semestre deste ano, com a justificativa de minimizar conflitos entre índios e produtores rurais.

“A gente entende que a minuta servirá só para dificultar ainda mais o processo de identificação e demarcação de terras. O governo federal e o Congresso Nacional estão aliados para atacar e diminuir os direitos indígenas, principalmente os territoriais, favorecendo o agronegócio e o latifúndio”, disse Sônia Guajajara, adiantando que o grupo quer ouvir o ministro José Eduardo Cardozo sobre o assunto.

“Há um momento em que as autoridades, e o ministro da Justiça, principalmente, têm que se posicionar e atuar para que os direitos sejam cumpridos, para implementar o que já é garantido constitucionalmente, e não adiar ainda mais isso. O efeito da demora na demarcação de novas terras indígenas é tensionar ainda mais a situação. O governo e o ministro pensam que estão mediando, apaziguando as tensões, mas os conflitos só vêm aumentando”, acrescentou Sônia.

Portas foram fechadas no Planalto

Ao perceber a chegada dos índios, seguranças fecharam todas as portas de acesso ao Palácio do Planalto. Os índios rodearam o edifício e tentaram passar pela entrada lateral. Fazendo barulho e carregando faixas com pedidos de “demarcação de terra urgente”, alguns manifestantes forçaram a passagem, entrando em confronto com a segurança. Alguns seguranças chegaram a usar spray de pimenta para dispersar o grupo.

Após cerca de meia hora no local, parte do grupo seguiu para o Congresso Nacional. Outra parte se reuniu diante do Ministério da Justiça, impedindo o acesso dos servidores que chegavam. Policiais militares reforçam a segurança do local. Representantes do ministério estão negociando com os líderes do protesto. Segundo a assessoria do ministro José Eduardo Cardozo, ele pretende receber uma delegação indígena para discutir o tema.

Além de criticar a minuta, os índios também cobram a apuração de crimes contra os povos indígenas, como o assassinato do cacique Ambrósio Vilhalba, da Aldeia Guarani-Kaiowá Guyraroká, em Cristalina (MS). Vilhalba foi encontrado morto segunda. A Polícia Civil deteve dois suspeitos e investiga se a morte foi consequência de rixas entre o cacique e outras lideranças da aldeia.

“O governo deve deixar de promessas e cumprir o que prometeu para nós. Hoje você vê o povo indígena lá em Mato Grosso do Sul sendo assassinado por fazendeiros, por grandes pecuaristas, que querem tomar a terra do índio. Queremos demarcação de terras urgente. Não dá mais para aguentar. Também queremos direito à saúde e à educação. E respeito ao povo indígena”, disse o índio kinikinau, de Mato Grosso do Sul, Nicolau Flores.


sábado, 23 de novembro de 2013

AGRESSÃO E INCÊNDIO NO NORTE GAÚCHO


ZERO HORA 22 de novembro de 2013 | N° 17622

FERNANDA DA COSTA | VICENTE DUTRA

TENSÃO NO NORTE

Agressão e incêndio em conflito agrário. Após novo confronto, Funai marca reunião para tratar de terra indígena


A lentidão do processo de regularização da Terra Indígena Rio dos Índios, em Vicente Dutra, no norte do Estado, motivou um confronto que terminou em agressão, invasão de balneário e incêndio de escritórios comerciais. E o clima entre os envolvidos na disputa fica acirrado a cada dia.

Cansados de esperar pela terra, um grupo de 50 índios invadiu, na noite de quarta-feira, um balneário de águas termais que fica dentro da área demarcada como indígena. No total, a terra Rio dos Índios tem 715 hectares. Já o complexo turístico Termas Minerais Águas do Prado ocupa cerca de 25 hectares e tem 196 cabanas construídas, que recebem perto de 20 mil visitantes por ano. No local, também residem famílias proprietárias de cabanas. Quando chegaram à área, os indígenas entraram em confronto com o vigia do estabelecimento.

Altair dos Santos Bueno, 48 anos, conta que, por volta das 19h, um dos veículos dos índios teria colidido com um carro estacionado em frente ao balneário, o que o motivou a deixar a guarita onde trabalhava. O vice-cacique Luis Salvador afirma que, quando os índios chegaram ao pórtico de entrada, o vigia os recebeu a tiros, o que teria motivado a briga.

Depois deste incidente, no final da tarde de ontem, um grupo organizado por proprietários de cabanas na área invadida resolveu retomar o local. Com pedaços de madeira e pedras nas mãos, os moradores enfrentaram os índios, que recuaram. Segundo a Brigada Militar, os indígenas retornaram para a área onde residem. Eles moram há 20 anos em dois hectares ao lado do balneário.

Depois do confronto com o vigia do complexo, na noite de quarta-feira, os índios atearam fogo ao escritório administrativo do complexo, onde também funciona um escritório de advocacia. Todos os documentos dos dois escritórios foram perdidos, além de móveis e aparelhos eletrônicos.

– Não temos mais como recuperar as ações que ainda não foram encaminhadas à Justiça. O que eu vou dizer às pessoas que estão com ações de aposentadoria, por exemplo? – questiona o advogado Osmar José da Silva Júnior.

Para mediar o conflito entre índios e agricultores, a Fundação Nacional do Índio (Funai) marcou reunião com os índios, que deve ocorrer às 14h de hoje, no Ministério Público Federal em Passo Fundo. A agressão ao vigia deve ser investigada pela Polícia Federal.



ENTREVISTA

“Ele veio para cima dos índios atirando”



Depois de passar mais de 10 anos esperando pela regularização de área indígena, o vice-cacique Luis Salvador, 44 anos, afirma que o grupo protestou para pressionar o governo, mas que não queria que o ato terminasse em conflito.

Zero Hora – Por que vocês resolveram invadir o balneário?

Luis Salvador – Nós temos direito de ocupar o espaço, e essa ocupação é para pressionar o governo a agilizar a nossa posse da terra. Estamos morando há 20 anos em área de dois hectares dentro da nossa terra, que tem 715 hectares. Queremos pressa na indenização dos agricultores e de quem tem cabanas no balneário. Queremos que o governo dê outras terras para os agricultores e essa é a única forma que temos para chamar atenção.

ZH – O que motivou o grupo a entrar em confronto com o vigia?

Salvador – Chegamos para ocupar o balneário, e ele veio para cima, atirando. Um dos índios foi ferido com golpe de faca. Outros brancos se envolveram na briga, mas fugiram. O guarda tem rixa antiga com os índios e já tinha nos provocado outras vezes.

ZH – Por que os escritórios foram incendiados?

Salvador – Isso também foi para chamar a atenção. Queremos pressa nas indenizações.

ZH – A atitude acabou prejudicando pessoas com ações judiciais elaboradas pelo escritório jurídico e que não estão envolvidas no conflito.

Salvador – Prejudicou os donos dos escritórios, que estão envolvidos no conflito, sim. Eles não deixam os índios usarem a área do balneário para pegar material para fazer artesanato. Eles não respeitam nosso trabalho.


ENTREVISTA

“Fui agredido com pedras, flechas e facão”




Com ferimentos na cabeça e nas costas e um corte profundo no braço, o vigilante Altair dos Santos Bueno, 48 anos, achou que não teria forças para pedir ajuda. Ele afirma que foi agredido por cerca de 50 índios ao tentar evitar que o balneário de águas termais onde trabalha fosse invadido, em Vicente Dutra. Com muita dor no corpo e dificuldade para falar devido aos dentes quebrados e aos ferimentos na boca, o vigia, que também é agricultor, contou a Zero Hora como ocorreu a agressão.

Zero Hora – Como o conflito começou?

Altair dos Santos Bueno – Os índios chegaram ao balneário pouco depois que eu assumi o serviço, às 19h, e um dos carros deles bateu em outro que estava estacionado. Eu decidi sair da guarita e ir ver o que estava acontecendo. Perguntei para eles o que estavam fazendo e eles disseram que era para eu sair se não iria sobrar para mim. Em seguida, eu fui agredido com pedras, flechas e facão. Levei muitas pedradas nas costas e na cabeça e depois fui ferido com um corte de facão no braço. Achei que não teria forças para pedir ajuda e pensei que se ficasse lá eu iria morrer.

ZH – E como você conseguiu pedir ajuda?

Bueno – Eu acho que um dos vizinhos viu que eu estava apanhando e chamou a Brigada Militar. Quando ouvi a sirene da polícia, senti um alívio. Comecei a correr em direção à viatura para pedir abrigo, mas a dor era tanta que eu achei que não fosse chegar até eles. Os policiais abriram a porta e eu entrei no carro, mas os índios vieram atrás de mim. Eles cercaram o carro e quebraram os espelhos e os vidros da viatura da Brigada Militar. Eu só queria sair dali e ficava dizendo para os policiais andarem logo, mas eles ficaram parados um tempo até os índios saírem. Depois, me levaram para o hospital.

ZH – Qual o motivo para que eles agredissem o senhor?

Bueno – Acho que foi porque sou vigilante do balneário e também agricultor. Tenho uma propriedade de 37 hectares nas terras que eles querem.



ENTENDA O CONFLITO
DISPUTA EM VICENTE DUTRA
- A área já declarada como indígena Rio dos Índios tem 715 hectares em Vicente Dutra, no norte do Estado.
- Dentro da área, há um balneário de águas termais, que ocupa 25 hectares. O local, com 196 cabanas, recebe 20 mil visitantes por ano e abriga oito famílias, que residem no local.
- Além do balneário, a área abrange pequenas propriedades rurais.
- Conforme o coordenador da Funai em Passo Fundo, Roberto Perin, a área também já foi demarcada e, em 2012, foi feito levantamento fundiário das benfeitorias a serem indenizadas.
- Após as indenizações e a desocupação da área, Perin explica que a terra precisa ser homologada e regularizada para tornar-se oficialmente indígena.
A DISPUTA NO ESTADO
- Em todo o RS, indígenas reivindicam 100 mil hectares em novas áreas e ampliações de propriedades já delimitadas.
- O RS é o Estado que apresenta o maior número de áreas indígenas sujeitas a conflito no país, conforme o Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
- Relatório mostra que 17 dos 96 territórios classificados como em situação de risco ou conflito estão no RS, representando 17,7% do total nacional.
- A tensão em uma das áreas (Sananduva e Cacique Doble), onde índios e agricultores disputam 1,9 mil hectares, motivou a criação de mesa de diálogo com mediação do Ministério da Justiça.

CONFLITO NO NORTE GAÚCHO

ZERO HORA 23 de novembro de 2013 | N° 17623

FERNANDA DA COSTA

Promessa da Funai acalma os ânimos. Indenização aos atingidos pela demarcação deve ser repassada em 2014


Uma promessa da Fundação Nacional do Índio (Funai) acalmou os ânimos em Vicente Dutra, no norte do Estado. O órgão garantiu que as indenizações aos atingidos pela demarcação da área indígena Rio dos Índios, de 715 hectares, serão pagas no primeiro semestre de 2014.

Oprazo foi divulgado em uma reunião entre lideranças indígenas, Funai e Ministério Público Federal (MPF), na manhã de ontem, na sede do MPF em Passo Fundo. Inicialmente marcada para as 14h, a reunião teve de ser antecipada devido ao risco de confronto em Vicente Dutra.

Agricultores, moradores da área urbana na cidade e comerciantes participaram de um protesto em frente ao balneário Águas do Prado, invadido por indígenas na quarta-feira e retomado pelos proprietários no dia seguinte. Conforme a Brigada Militar do município, cerca de 200 pessoas participaram do ato, que se iniciou às 9h.

Após o protesto, o grupo seguiu até a estrada de chão que dá acesso à área indígena e uma comunidade rural, e tentaram liberar a passagem pela via, que estava bloqueada desde quarta-feira pelos índios. Os indígenas também foram ao ponto de bloqueio, e houve momentos de tensão entre os grupos. Segundo a polícia, ambos estavam armados com pedaços de madeira e pedras.

Quando souberam do risco de enfrentamento, o MPF e a Funai decidiram adiantar a reunião de mediação. O encontro teve início às 10h30min e durou três horas. Conforme o procurador da República Fredi Everton Wagner, que acompanha o conflito agrário, os dois grupos envolvidos na disputa se comprometeram em não mais acirrar os ânimos:

– Durante a reunião, ficamos em contato por telefone com as lideranças dos dois grupos, na tentativa de evitar um confronto.

O coordenador da Funai em Passo Fundo, Roberto Perin, afirmou que a Diretoria de Proteção Territorial do órgão em Brasília enviou um documento garantindo o julgamento das indenizações das benfeitorias de boa fé – aquelas construções finalizadas até a data da publicação da portaria declaratória da área indígena, em 2004. O pagamento, conforme Perin, ocorrerá no primeiro semestre de 2014.

As indenizações envolvem 68 pequenas propriedades, de em média 10 hectares cada, e 168 cabanas no balneário Águas do Prado. Após a promessa da Funai, os indígenas liberaram a estrada, e os agricultores se dispersaram.

O EMBATE AGRÁRIO

Em Vicente Dutra, índios e agricultores lutam por terras

- A área já declarada como indígena Rio dos Índios possui 715 hectares em Vicente Dutra, no norte do Estado.

- Dentro da área, há um balneário de águas termais, o Termas Minerais Águas do Prado, que ocupa cerca de 25 hectares, com 196 cabanas.

- Além do balneário, a área também abrange 68 pequenas propriedades rurais, de cerca de 10 hectares cada.

- Conforme o coordenador da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Passo Fundo, Roberto Perin, a área também já foi demarcada e, em 2012, realizado o levantamento fundiário das benfeitorias que precisam ser indenizadas.

- Após as indenizações e a desocupação da área, Perin explica que a terra precisa ser homologada e regularizada para tornar-se oficialmente indígena.

- Na quarta-feira, para pressionar o governo a agilizar o processo de indenização, um grupo de 50 índios invadiu o balneário.

- Um dia depois, os proprietários das cabanas retomaram o local.

A DISPUTA NO ESTADO

- Em todo o Estado, os indígenas reivindicam 100 mil hectares em novas áreas e ampliações de propriedades já delimitadas.

- O Rio Grande do Sul é o Estado que apresenta o maior número de áreas indígenas sujeitas a conflito no país, conforme um levantamento do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

- No relatório, 17 dos 96 territórios em situação de risco ou conflito estão em solo gaúcho, 17,7% do total nacional.



segunda-feira, 11 de novembro de 2013

DEMARCAÇÃO ADIADA ACIRRA TENSÃO


ZERO HORA 11 de novembro de 2013 | N° 17611

FERNANDA DA COSTA | SANANDUVA

TERRA EM DISPUTA

Governo federal promete mediar debates para resolver o conflito agrário que envolve 1,9 mil hectares no norte do Estado



O adiamento da demarcação de 1,9 mil hectares como terra indígena no norte do Rio Grande do Sul acirra ainda mais um conflito agrário que se arrasta há quase 10 anos. Enquanto a disputa permanece, agricultores e índios sofrem as consequências de uma vida paralisada pela incerteza.

De um lado, estão produtores rurais que tiveram áreas ocupadas ou cessaram investimentos nas propriedades por medo de perder as terras. De outro, índios que passaram seis anos acampados às margens de uma rodovia e hoje vivem em condições precárias em propriedades dentro da área reivindicada. Em frentes opostas, os dois grupos têm um sentimento em comum: o de que não há caminho para melhorar a qualidade de vida enquanto a terra está em disputa.

Na área, localizada em Sananduva e Cacique Doble, vivem 110 famílias de agricultores. Eles têm 152 pequenas propriedades rurais com, em média, 12 hectares cada. A maioria possui escrituras das terras de mais de cem anos. Segundo eles, as áreas foram compradas do governo. Os índios afirmam que os antepassados foram expulsos do local para que o governo vendesse as terras e lutam para criar a Terra Indígena Passo Grande do Rio Forquilha. No local, o grupo espera assentar 264 índios, de 64 famílias.

A demarcação ocorreria hoje, mas, na sexta-feira, a Fundação Nacional do Índio (Funai) suspendeu a ação na Justiça. A intenção é criar uma mesa de diálogo entre índios e agricultores. Durante a semana, o governo federal prometeu debater o assunto, e o ministro José Eduardo Cardozo afirmou que virá ao Estado para mediar a discussão. A data da viagem ainda não foi divulgada e, até que a discussão seja feita, a demarcação deve permanecer suspensa.

– Estamos indignados. Vamos pressionar para que a demarcação aconteça – afirma o cacique Ireni Franco.

Para os agricultores, o adiamento trouxe fôlego à esperança de ficar nas terras, mas também contribuiu para aumentar o clima de tensão. Com a área ocupada em outubro, Vânia Caldato, 33 anos, relata que os vizinhos estão assustados:

– Eles não saem de casa porque têm medo de terem as propriedades invadidas também. A sensação de insegurança é geral.

Para o cacique Franco, a ação é justificada como uma forma de pressionar o governo a agilizar o processo de demarcação.


Uma família inteira atingida pelo conflito



Aos 80 anos, Dorvalino Dalsoglio passou a vida trabalhando para dar a cada um dos cinco filhos um pequeno pedaço de terra. Mas o que era motivo de orgulho se transformou em angústia para o morador de Sananduva. Caso a área reivindicada pelos índios seja regularizada como terra indígena, os herdeiros do agricultor serão arrancados das propriedades.

As terras e casas do casal e dos filhos estão na área em disputa. A ausência de um comprometimento do governo com a indenização plena ou com o assentamento dos agricultores atingidos aumenta a insegurança.

– Se nos tirarem daqui, não teremos para onde ir. Ficaremos apenas com as dívidas das nossas propriedades – relata Edenis Dalsoglio Lodi, 54 anos, filha de Dorvalino.

Ela mora com o marido em uma propriedade de 16 hectares da comunidade São Caetano. Cultiva grãos, uva e produz leite. Sem a terra, não sabe como pagará os financiamentos que fez para investir no local. Um deles, feito para ser quitado em 10 anos, tem apenas a primeira parcela paga.


Para indígenas, área é esperança de um futuro


Os seis anos em que cerca de 200 índios ficaram acampados às margens da rodovia que liga Sananduva a Cacique Doble (ERS-343) foram marcados pela dificuldade. As doenças eram frequentes, e havia o perigo de estar ao lado da rodovia. Dois jovens morreram atropelados.

– Não dava mais para continuar morando lá. Era muito difícil – relata o cacique Ireni Franco, 43 anos.

Atualmente, 264 índios, de 64 famílias, residem em uma área ocupada há três anos. Em cerca de 80 hectares, eles passaram a cultivar grãos. Este ano, para pressionar o governo a agilizar a demarcação, o grupo invadiu outras duas propriedades.

– Esperamos ter a área regularizada como indígena até 2016. Não queremos atropelar ninguém, queremos que o governo dê terras para esses agricultores – acrescenta Franco.

Por não ter a área regularizada, o grupo vive sem saneamento básico e recebe água por um caminhão-pipa. Para dividir 15 mil litros por semana para a toda a comunidade, costuma usar o que recebe só para cozinhar. O banho é no rio perto da área.

Números

- 100 mil hectares em novas áreas ou em ampliações de propriedades delimitadas são reinvindicados no RS por indígenas.

- 108 mil hectares é o total das terras indígenas já regularizadas ou em regularização hoje no Rio Grande do Sul.



O QUE ESTÁ EM JOGO

Estudo preliminar sobre a área foi concluído pela Funai em 2009

- Cerca de 110 famílias de agricultores de Sananduva e Cacique Doble temem perder 152 propriedades em razão da demarcação de terras indígenas.

- ­Os índios reivindicam 1,9 mil hectares, onde residem e trabalham agricultores familiares, com propriedades de 12 hectares em média.

- A Funai iniciou estudo preliminar da área em Sananduva e Cacique Doble em 2005. Concluiu o documento em 2009.

- Em 2011, o Ministro da Justiça assinou a portaria que declarou a área como terra indígena.

- Os agricultores, que têm escrituras com mais de cem anos, contestam na Justiça a portaria declaratória.

- Em julho, 50 índios invadiram uma propriedade na Comunidade São Caetano, acirrando o conflito agrário no município.

- Uma semana depois, um protesto dos agricultores, com o bloqueio das estradas que ligam o centro de Sananduva à comunidade de São Caetano, terminou em uma briga generalizada entre índios e agricultores. O conflito, que teve tiroteio e pedradas, deixou pelo menos quatro pessoas feridas. Três agricultores e um indígena tiveram de ser encaminhados ao hospital.

- Em outubro, outras duas propriedades foram invadidas pelos índios.

- A demarcação da área ocorreria hoje, mas a Funai adiou a ação para a criação de uma mesa de diálogo.

A MANIFESTAÇÃO DA IGREJA

A disputa no Norte motivou uma carta do arcebispo metropolitano de Passo Fundo, dom Antonio Carlos Altieri. Abaixo, trecho do documento

“...a Igreja local, Província Eclesiástica de Passo Fundo, não se posiciona a favor deste ou daquele grupo, uma vez que constata serem ambos vítimas de uma inadequada e injusta atuação.

(...) Sentimos a dor das famílias envolvidas, tanto dos pequenos agricultores que legalmente obtiveram as escrituras de suas terras e não podem simplesmente abandoná-las, sabendo-se ser delas que extraem seu sustento e o de suas famílias, quanto a dor das famílias indígenas que buscam recuperar suas raízes e seguir suas histórias, buscando de alguma maneira resolver esta dívida histórica para com seus povos...”

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

DEPUTADO QUER MUDANÇAS NO PROCESSO DE DEMARCAÇÃO DE TERRAS

JORNAL DO COMÉRCIO 21/10/2013

Heinze quer mudanças no processo de demarcação de terras


Fernanda Bastos
MARCO QUINTANA/JC

“Haverá um novo rito demarcatório tirando os superpoderes que a Funai tem”

O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado federal Luis Carlos Heinze (PP), está mobilizado para modificar as etapas do processo de demarcação de terras para os indígenas. Heinze sustenta que a Funai concentra poder de decisão exagerado sobre as demandas em detrimento dos produtores.

Liderança da chamada bancada ruralista - que está em constante embate com os parlamentares com trajetória de apoio aos direitos humanos -, Heinze critica o governo federal e sustenta que o Executivo estimula a guerra entre donos de terra e o povo indígena por não se responsabilizar por pagar pelas propriedades para as quais a Funai determina expropriações. Amanhã, ele se reúne com o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo (PT), e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para pressionar por mudanças no processo.

O progressista ainda sustenta que os relatórios que embasam as demarcações de terras são ideológicos e que produzem injustiças contra os fazendeiros. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, ele ainda minimiza reclamações de entidades que denunciam abusos e violência contra indígenas e rebate que são os agricultores que hoje estão em situação de risco. O deputado também avalia o cenário eleitoral no Estado e no País.

Jornal do Comércio – Qual é a principal pauta da FPA atualmente?

Luis Carlos Heinze – A questão principal é tirar a ideologia desse processo. Quando o assunto vem com qualquer ideologia, como aconteceu em 2003 quando o presidente Lula (PT) assumiu a Funai e montou um “bunker” junto com um setor da igreja católica, ONGs de antropólogos e também ONGs internacionais. Os antropólogos, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a Funai traçaram uma estratégia para o Brasil - não só para o Rio Grande do Sul. E erraram na forma como eles conduziram o processo. Tem gente em cima das terras, não são invasores. A mesma coisa seria se alguém invadisse a casa ou o apartamento de outra pessoa. Se tenho uma propriedade, como é que vou perder? Eles não deram bola para isso, e o erro está aí. O foco maior está nessa armação. No Rio Grande do Sul, hoje catalogamos 30 processos de expropriação de terras. Começamos a receber demanda do pessoal que vota em mim. Mas a gente não conseguia focar. Quando nos elegemos em 2011, disse à senadora Ana Amélia Lemos (PP) para fazer uma reunião com a Assembleia, a Câmara dos Deputados e o Senado. Daí saiu a primeira mobilização, com muita repercussão, e aí começaram a se juntar outros deputados pelo Brasil. Hoje, temos 16 estados com problemas sérios, iguais aos que temos aqui, como Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul. Então, temos que mudar essas regras. No Brasil, há quase 500 processos em andamento hoje, e todos do mesmo jeito. O que preocupa é a forma como eles fizeram, inclusive com setores do Ministério Público Federal (MPF) se manifestando a favor. Mas tem famílias, gente do outro lado. Esse é o problema.

JC – O grupo de trabalho da Câmara sobre o tema apontou como saída para o impasse uma indenização aos afetados pelas demarcações. A apresentação do relatório não foi acompanhada pela bancada ruralista, que não concordou com os encaminhamentos do GT. A indenização não seria uma alternativa satisfatória?

Heinze – Tem que haver um pagamento, e explico por quê. Na Constituição de 1988, foi determinado que o Brasil teria um prazo para demarcar terras indígenas até 1993 - cinco anos depois da Constituição. Estamos em 2013 e não foi resolvido. Sou a favor que se pague, agora, o negócio é o seguinte, se o governo federal quer fazer política, que pague. Mas só aqui no Estado hoje, se o governo federal quisesse implementar, daria R$ 6 bilhões. Para todo o Brasil, quase R$ 50 bilhões. O Brasil tem isso? Não tem saúde, não tem educação, não tem estrada, não tem ferrovia. Eu não sou contra os índios, só quero saber se eles têm dinheiro para isso. E está certo tirar gente que trabalha? Pegamos escritura de 1876, de imigrantes alemães, italianos. Os caras compraram as terras deles, não expulsaram ninguém. E era para colonizar, hoje dizemos: “Vai embora daqui”, para gente que nasceu aqui, muitas gerações. Os índios, na época, não sei se havia mil na região do Rio Grande do Sul, hoje tem 23 mil índios. Fraudulentamente eles montaram esse processo. Assim é em Mato Preto (nos municípios de Getúlio Vargas, Erebango e Erechim), e assim é nos 30 processos. Tudo que eles fizeram foi mais ou menos esquematizado. É com isso que não concordo. Quer comprar 100 mil hectares de terra? Se o Estado tem dinheiro, que compre, não tem problema. Mas não faça isso de montar processos fraudulentos.

JC – Isso estimula os conflitos?

Heinze – Lógico, porque foi estimulado, eles traçaram uma estratégia. Agora um laudo anula tudo. E qual é o cara que investe se não tenho segurança jurídica alguma? Dilma fala que o Brasil pode investir, daí vem construir uma hidrelétrica em Belo Monte, onde não tinha índio. Fizeram um levantamento com as pessoas, daí trouxeram índios e colocaram tudo lá em cima. Tudo é montado, o erro esta aí. Não é de terra que eles precisam, é de dar condições para que produzam. Dos 23 mil, são 100 índios. O resto são lideranças deles, não aparecem. Eles também são vítimas desse processo. Eles estimularam 30 processos no Rio Grande do Sul. Tem 23 mil índios, eles criaram essa fantasia. Eles quem? Funai, ONGs. Por que os antropólogos estão aqui? Porque eles arrumaram emprego para eles. Tem mais de mil processos de quilombolas aqui. Mas 90% do pessoal pensam desse jeito: que um laudo vale uma escritura, aí eles fraudam. Qual o lugar em que não há vestígio de índio que posso dizer? Qualquer lugar do Brasil. Um dia alguém morou, tudo bem. Mas só isso não serve.

JC – Como analisa essa suspensão da tramitação da PEC 215, que possibilitaria que o Legislativo seja responsável pela homologação das demarcações, hoje feitas pelo Executivo.

Heinze – Uma das razões é ideologia. No momento em que suspendemos na semana passada, quando teve uma reunião com José Eduardo Cardoso e o procurador-geral da República, se resolveu discutir duas coisas. Eles nos prometeram apresentar um decreto. A (ministra chefe da Casa Civil) Gleisi (Hoffmann, PT) prometeu em abril que colocaria no processo a Embrapa, o Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) e o MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário). É o que eles vão nos apresentar, uma portaria, um novo rito demarcatório tirando os superpoderes que a Funai tem hoje. A Funai é o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, faz tudo. Daí tem dois, três, cinco anos para fazer um processo, mas a pessoa tem 90 dias para fazer sua defesa. Então, se vê que é um pouco ideológico.

JC – Os críticos da PEC dizem que o Congresso privilegiaria os ruralistas, já que têm mais representação que os indígenas.

Heinze – Se era para delimitar até 1993 e estamos em 2013, até quando vai? Do jeito deles, que não tem que pagar nada, e eles querem 20 milhões a 30 milhões de hectares a mais, vai terminar quando? O que eles dizem é o seguinte: “São 3% do Brasil”. Dá 24 milhões ou 25 milhões de hectares. Já tem 14% em terra indígena.

JC - Como fica a pauta da FPA com a suspensão da análise da PEC?

Heinze - O que priorizamos hoje é a votação do Projeto de Lei 227, que ele trata da regulamentação do artigo 231, que ele coloca isso aqui, que daqui para frente o Estado faça. Pronto. Agora, anula esse processo. “Ah, os processos que já estão andando ficam”. Ficam nada. Tudo que está errado tem que sair daqui. Quero respeitar o marco temporal de 1988. O trâmite está emperrado, porque o governo não quer. E quando ele não quer, não vai. O governo tranca desde abril, maio. Sabe quem pediu pra fazer esse projeto? O Ministério da Justiça, e agora estão emperrando. Na reunião, vamos discutir isso. O negócio é o seguinte: temos que regulamentar esse artigo e só tem um jeito de fazer; basicamente, temos que votar o tal do marco temporal e acabou, não posso deixar, tem mais de 100 famílias com problemas no Brasil. Quantas mortes de índio e de branco teve em cima desse assunto? Não dá. Tem que pôr um fim.

JC – Esse trâmite, na sua avaliação, traz prejuízos para a economia brasileira?

Heinze – Mas é lógico. Esse pessoal planta trigo, soja, tira leite, planta qualquer coisinha ali. No Maranhão, 5 mil pessoas estão para serem expulsas de uma cidadezinha por essa questão indígena. Lá tem dívida do Brasil com a Venezuela, se saem as famílias, terminam a cidade. Está certo isso? A maioria da cidade é de índios, mas porque a lei é assim, tem que fazer.

JC – Por outro lado, as entidades ligadas aos indígenas apontam que muitos processos dos supostos proprietários das terras é que teriam sido fraudados.

Heinze – A Embrapa hoje tem mecanismos que remontam aos anos 1950. Mas vamos pegar a Constituição de 1988. Quem estava em cima da terra em 1988, que foi o marco?

JC – Há denúncias de pressão e agressão para tirar indígenas das terras...

Heinze – Violência tem aqui. Os índios ameaçando os produtores, fizeram isso em Mato Preto, tiraram gente em Sananduva, 7 hectares invadidos. O presidente da associação de lá disse que eles não quiseram enfrentar, tiveram medo.

JC – A FPA diz que há violência dos indígenas, e eles, por sua vez, denunciam violência por parte dos produtores. Há como conciliar essas duas versões?

Heinze – Mas não são duas verdades, a verdade é uma só. O artigo 231 fala em áreas tradicionalmente ocupadas, mas eles começam a desenvolver uma tese que pode ser de quando o Brasil foi descoberto. A verdade é uma só: eles que distorcem a verdade. O que quer dizer a Constituição de 1988 é “quem está ocupando a terra”. O Supremo julgou nesse termo. Espero que mantenham quinta-feira no julgamento dos embargos da Raposa-Serra do Sol (em Roraima).

JC – O senhor afirma que há injustiça no processo. Mas e a reparação histórica aos indígenas? A bancada ruralista é acusada de dar primazia a interesses econômicos.

Heinze – Não é um problema. Não tenho que reparar nada. Por que 7 mil famílias do Rio Grande do Sul têm que pagar? Temos 11 milhões de habitantes, por que 7 mil foram crucificados? Foram escolhidos? Há suicídio, depressão, mortes.

JC – O senhor vê alguma possibilidade de consenso?

Heinze – Negociação. Os laudos têm que ser sepultados. Para mim, são fraudulentos. E o governo tem que comprar os hectares.

JC – Com relação às eleições de 2014, como avalia a conjuntura para o lançamento da candidatura própria do PP com a senadora Ana Amélia Lemos?

Heinze – Tenho falado muito com vereadores, lideranças do PMDB, que têm comentado que gostariam dessa aliança. A gente tem uma ligação muito boa. A ideia mais fixa é eles terem candidato. O que estamos trabalhando hoje é que seria uma chapa ideal se fosse José (Ivo) Sartori com Ana Amélia.

JC – PP ou PMDB estão dispostos a abrir mão da cabeça de chapa?

Heinze – É difícil. Ana já está na posição que está nas pesquisas, que mostraram que ela está lá em cima. O PMDB tem uma condição firme de ter um candidato, e o PDT tem a candidatura do (deputado federal) Vieira (da Cunha), e ele venceu dentro do partido. É importante isso. Eles têm um belo candidato ao Senado, o Lasier (Martins). Mas, em política, nada é impossível.

JC – O PP integrar o governo Dilma Rousseff (PT) atrapalha uma candidatura de oposição ao governo Tarso?

Heinze – Negativo. No Rio Grande do Sul e em outros estados, a gente sempre busca a independência. O partido dificilmente fecha questão de Norte a Sul. Existe gente que quer apoiar Dilma, gente que queria apoiar Eduardo (Campos, PSB) e que quer apoiar Aécio (Neves, PSDB), que é meu caso. Hoje, em função da Ana Amélia, por causa do tempo de TV, muita gente quer vender o tempo, e somos bem claros que isso tem que ser discutido com o partido. Vai ter quem apoie Aécio, mas pode não ser essa a decisão do partido em nível estadual. Tinha o apoio a Campos, que complicou com a Marina, pelas posições que ela tem tomado. Há um ranço com o (deputado federal Ronaldo) Caiado (DEM-GO), há comigo. São as mesmas posições.
Perfil

Luis Carlos Heinze é natural de Candelária. Migrou para Alegrete na adolescência, onde completou o ginásio agrícola, atuando como técnico-agrícola. No município, também participava do grêmio estudantil, onde iniciou sua atividade política, ainda que sem filiação a partido. Já em Santa Maria, nos anos 1970, graduou-se em Agronomia pela UFSM. Na universidade, presidiu o centro acadêmico do curso. Estabeleceu-se em São Borja em 1973, criando um escritório de planejamento e assessoramento a produtores. Ali iniciaria sua ligação com o movimento ruralista, especialmente com os arrozeiros. Foi secretário municipal da Agricultura de São Borja de 1991 até 1992, quando disputou a prefeitura do município. Venceu e comandou o Executivo até 1996. Disputou e conquistou uma cadeira na Câmara dos Deputados no pleito de 1998. Desde então, busca a reeleição, estando no quarto mandato. No ano que vem, pretende concorrer para manter o espaço na Câmara novamente. Tem 63 anos.

SUPREMO RETOMA CASO SOBRE TERRAS INDÍGENAS

ZERO HORA, 23 de outubro de 2013 | N° 17592

CONFLITO NO CAMPO. Decisão sobre Raposa Serra do Sol poderá valer como regra em todos os processos demarcatórios no país


Um novo capítulo da disputa jurídica travada em torno da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, deve ser encerrado hoje. O Supremo Tribunal Federal (STF) julga se as regras estabelecidas para esse processo valem para todos os casos no país. Um dos pontos mais sensíveis envolve a possibilidade de áreas já demarcadas serem ampliadas caso a Fundação Nacional do Índio (Funai) considere necessário.

Odebate ocorrerá quatro anos e meio após o tribunal ter reconhecido a validade da delimitação de forma contínua da Raposa Serra do Sol. Na época, a Corte estabeleceu 19 condicionantes para execução do processo, incluindo a instalação de bases das Forças Armadas sem consulta prévia aos índios e a proibição à comercialização ou arrendamento de terras na área demarcada (leia mais ao lado).

A dúvida sobre a aplicação das condicionantes para todos os processos de demarcação gerou conflitos entre integrantes do governo. Após a decisão de 2009, a Advocacia-Geral da União (AGU) editou uma portaria estendendo para todos os processos os itens estipulados pelo STF. O Ministério da Justiça contestou a edição da portaria, que acabou suspensa.

Hoje, os ministros julgarão os recursos em que Ministério Público, fazendeiros, indígenas e o Estado de Roraima questionam possíveis omissões e obscuridades na decisão. As comunidades indígenas pedem que o tribunal garanta que processos demarcatórios possam ser revistos, corrigindo eventuais problemas.

Novo relator do caso no STF, o ministro Luís Roberto Barroso explicou que no julgamento a Corte terá de analisar vários pontos da decisão original: _ Como ficam as igrejas que estão lá? O Ministério Público e os índios questionam as condicionantes em si, sobre a legitimidade ou não de o Supremo impor as condicionantes. Existe uma discussão sobre a projeção ou não dessas condicionantes em outros processos – exemplificou.

Conforme o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), “um dos pontos controversos é a possibilidade de intervenções em terras sem consulta aos povos que nelas habitem, além de estender as condicionantes para as demais áreas indígenas brasileiras”.

Em 2009, o Supremo decidiu pela saída dos arrozeiros que ocupavam parte da terra indígena Raposa Serra do Sol, que tem 1,7 milhão de hectares e fica na fronteira com Venezuela e Guiana.


Governo espera para anunciar regras

Pressionado por ruralistas e indigenistas, o governo quer esperar a decisão do STF em relação à Raposa Serra do Sol antes de anunciar novas portarias sobre terras indígenas.

Estão engatilhadas pelo menos duas medidas. Uma delas prevê que, além da Fundação Nacional do Índio (Funai), outros órgãos do governo federal passem a participar das decisões sobre demarcação das terras. A ideia é envolver órgãos como Ministério da Agricultura, Incra e até Embrapa para resolver impasses e reduzir o número de processos judiciais.

A outra portaria depende diretamente da decisão do Supremo. Caso os ministros entendam que as regras impostas para Raposa Serra do Sol se aplicam aos demais processos demarcatórios, o governo vai divulgar uma nova medida listando as condicionantes a serem observadas.

Ontem, o Ministério da Justiça tentou sem sucesso adiar para a próxima semana a reunião com a bancada ruralista no Congresso, que pressiona pelo anúncio das medidas e insistem em votar uma proposta para transferir do Executivo para o Legislativo a demarcação das terras indígenas.

Por ora, Dilma já sinalizou que não vai faltar dinheiro para comprar terras de agricultores, em especial onde há conflitos entre índios e pequenos produtores, como no RS.


segunda-feira, 21 de outubro de 2013

PRODUTORES PROTESTAM CONTRA DEMARCAÇÃO DE MATO PRETO


Notícias Agrícolas, 02/10/2012 18:12

Carla Mendes

Produtores de Erechim, Erebango e Getúlio Vargas, no RS, protestam contra demarcação de reserva indígena do Mato Preto


O Ministério da Justiça decretou a demarcação da área de 4.230 mil hectares da Pretensa Reserva Indígena do Mato Preto. 4% desta área estão situados no município de Erechim, 9% em Erebango e 87% em Getúlio Vargas, no estado do Rio Grande do Sul.

O laudo apresentado pela Funai (Fundação Nacional do Índio) em 2009 pretende desalojar mais de 300 famílias para para assentar 63 índios Guaranis na área. Em março de 2010, os agricultores apresentaram sua defesa, porém, em vão.

O decreto da demarcação da área de mais de 4 mil hectares foi apresentado no último dia 26. Agora representados por sua assessoria jurídica, os produtores rurais entrarão com uma ação na Justiça Federal tentando suspender os efeitos do decreto do Ministério. Isso deverá acontecer até o próximo dia 11 de outubro.

Com a ação, os agricultores tentarão provar que a área referida foi colonizada no início do século passado - entre 1905 e 1933 - por produtores rurais que possuem documentação legal e histórica de suas propriedades e posses.

Diante desse decreto, os produtores rurais da região organizaram, nesta terça-feira (2), um protesto na rodovia RS-135. Veja abaixo algumas fotos do manifesto:





QUESTÃO TERRITORIAL – MATO PRETO


1. Em 16/07/2004 a FUNAI, criou um Grupo Técnico (GT) que deu início do processo de demarcação de área indígena, que abrangeria parte dos municípios de Erechim, Erebango e Getúlio Vargas.

2. O GT elaborou um laudo técnico, que foi apreciado pelo presidente da FUNAI que o publicou no Diário Oficial da União no dia 23/11/2009. O laudo pretende desalojar mais de 300 famílias da nossa região com intuito de assentar apenas 63 índios Guaranis em 4.230 ha. 4% desta área situa-se no município de Erechim, 9% em Erebango e 87% em de Getúlio Vargas, que perderia 18% de sua área territorial .

3. Os agricultores apresentaram sua defesa na fase administrativa em Março de 2010. O contra laudo apresentado contestou totalmente o laudo falho e inconsistente apresentado pela FUNAI. A FUNAI solicitou ao Ministério de Justiça a demarcação da área de 4.230 ha em 30/09/2012. O Ministro da Justiça decretou a demarcação da área na última quarta feira 26/09, a pretensa reserva indígena é a descrita no item 2, onde vivem as mais de 300 famílias de pequenos produtores rurais. Este ato praticamente encerra a fase administrativa do processo.

4. Os produtores, representados por sua acessória jurídica, irão entrar com uma ação da justiça federal , até o dia 11/10/2012, ação esta que está praticamente pronta, visando suspender os efeitos do decreto do Ministro. A partir daí será discutido o mérito da questão. Na justiça irão provar que a referida área foi colonizada já no início do século passado (1905 a 1933) por agricultores que possuem documentação legal e histórica de suas propriedades e posses; portanto, não se trata de área tradicionalmente ocupada por comunidade indígena. A expectativa é de uma longa batalha judicial com vitória ao final.

Com informações e fotos do Sindicato Rural de Getúlio Vargas/RS.

Fonte: 

EM 2009, GUARANIS DA ALDEIA MATO PRETO PEDIRAM URGENTE DEMARCAÇÃO

PORTAL ACORDA TERRA

Indígenas Guarani da Aldeia Mato Preto pedem urgente demarcação e ocupam sede da FUNAI em Passo Fundo, Rio Grande do Sul*

PUBLICADO POR NUNO NUNES ⋅ 04/11/2009 



A sede da Funai em Passo Fundo foi oculpada por cerca de 50 indígenas da etnia Guarani no dia 3 de novembro de 2009. Eles reivindicam urgente finalização do relatório de identificação e delimitação da Terra Indígena Mato Preto. Esta área fica na região noroeste do Rio Grande do Sul, Alto Rio Uruguai, na divisa dos municípios de Getúlio Vargas e Erebango, na antiga Floresta Mato Preto, que foi devastada por colonos plantadores de soja assentados pelo estado do RS.



Os Guarani sofreram vários processos de expulsão da região, desde a redução dos jesuítas nos séculos XVII e XVIII, as intromissões da Revolução Farroupilha que lutava em pleno território tradicional indígena, e por último pela colonização européia na região assentados pelo estado do RS.

Os Guarani foram expulsos de Mato Preto na década de 1950, passando a viver na Terra Indígena Kaingang Cacique Doble, RS e outras aldeias da região. Somente em 2002 os Guarani conseguiram com que a Funai realizasse um levantamento prévio sobre Mato Preto, que concluiu pela criação do Grupo Técnico (GT) para identificação e delimitação da terra, baseado no artigo 231 da Constituição Federal e no Decreto Presidencial 1.775 de 1996.

A partir disso, os Guarani mobilizaram-se e realizaram uma re-ocupação em sua área tradicional em setembro de 2003, exigindo as providências da Funai. O relatório com as conclusões do estudo foi entregue pela antropóloga Flávia de Melo em outubro de 2005, indicando a identificação de aproximadamente 4000 hectares. Porém com os problemas gerados pela não aceitação da demarcação por parte dos colonos, dificultou à Funai executar o levantamento fundiário causando demora no processo e na finalização do relatório. A Justiça deu prazo para a Funai finalizar o estudo e publicar até dia 22 de novembro de 2009.

Atualmente a Funai espera finalizações do relatório pela antropóloga responsável para a publicação e o seguimento do procedimento demarcatório. Do mesmo modo, a comunidade espera com que a Funai publique para que seja liberada a indenização dos não-indígenas dos 223 hectares ocupados irregularmente por colonos em área reservada aos Guarani pelo próprio estado do RS no início do século XX. E juntamente com outras comunidades indígenas do RS, esperam que o governo de Yeda Crusius cumpra com a lei Nº 7.916, de 16 de Julho de 1984, que prevê indenização aos colonos assentados pelo estado em terras reconhecidas como indígenas.

O cacique Joel Pereira disse que a comunidade não agüenta mais a demora para resolver seu problema. “Estamos uma faixa de terra entre a estrada e a ferrovia, não dá pra plantar, pra captar água, e já faleceu um de nossos xamãs pela falta de condições. Agora basta!”.

O coordenador do Conselho de Articulação do Povo Guarani do RS, Mauricio Gonçalves, disse que ocuparam a Funai em apoio à comunidade de Mato Preto, e também reivindicam que se libere a indenização dos proprietários não-indígenas que estão dentro da TI Cantagalo, em Viamão, RS, para enfim a comunidade de lá poder ter usufruto exclusivo da área, como prevê a lei.

O representante da Comissão Nacional de Terra Guarani Yvy Rupa, Leonardo Werá Tupã, apóia a ocupação e diz que demorou para finalizar a regularização de Mato Preto, e que infelizmente os indígenas são obrigados a tomar ações como esta ocupação para que o processo se finalize, pois são muitos interesses anti-indígenas agindo na busca digna pela garantia da terra aos seus verdadeiros donos.



Entenda o processo da TI Mato Preto

A Terra Indígena de Mato Preto localiza-se na divisa entre os municípios de Getúlio Vargas e Erebango, no noroeste do Rio Grande do Sul. É limítrofe a oeste com a Terra Indígena Kaingang Ventarra. A aldeia atual ergue-se numa área de mínimas dimensões, na faixa de domínio público localizada entre a linha férrea da RFFSA e a Rodovia Estadual RS 135, que liga os municípios de Getúlio Vargas e Erechim. A área onde estão construídas as habitações permanentes tem dimensões aproximadas de 300 por 30 metros.

Há anos atrás, o estado do Rio Grande do Sul vendeu áreas para os agricultores, os quais construíram suas vidas lá. Posteriormente, essas áreas foram identificadas como indígenas, já que eram de ocupação tradicional de índios, o que gerou a necessidade de que os agricultores deixassem aquelas terras. Todavia, os agricultores se negam a abandonar a área enquanto não forem indenizados pelo estado.

Legalmente, esta área já é garantida pelo Decreto Estadual n. 3.004 de 10/8/1922, que trata do “Regulamento das Terras Públicas e seu Povoamento”, e determina que “São consideradas terras dos índios as que se acham por eles ocupadas” e que “O Estado as considera tais (terras) independentes de qualquer título especial de domínio, como conseqüência da propriedade da ocupação por eles (índios)”. O parágrafo “a” do art. 23o incumbe ao “Estado” garantir as terras ocupadas pelos índios e mais propriedades destes (Decreto 3.004, Capítulo VI, “Das terras e proteção aos Índios”, Artigos 20, 21 e 23). Apesar do Decreto n.3.004/1922, a demarcação da “Floresta Mato Preto” em 1929, posteriormente à sua promulgação, desconsidera a área de ocupação total dos indígenas e restringe ainda mais a área de ocupação das famílias Guarani.

Daquela época temos o “Projecto de demarcação de lotes ruraes” e a conseqüente “Planta da Floresta Matto Preto”, que são assinados por Caio Escobar e registrado na Directoria de Agricultura do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, em 22/04/1929, com área total de 1.014,20 hectares. O “Projeto de demarcação de lotes ruraes” estabeleceu três loteamentos, denominados “polígonos A, B e C”. Um desses polígonos, o Polígono B, é demarcado como “Área Indicada para os Índios Guarany”, com 223 hectares e os Polígonos A e C são destinados ao loteamento e venda. A ocupação Guarani da época está registrada no levantamento topográfico de Caio Escobar. Tal levantamento delimita a Floresta Matto Preto e indica a localização de um “toldo” dentro da área denominada “Polígono B”.



Atualmente, o governo do Estado do Rio Grande do Sul reconhece a ilegalidade das ações de colonização praticadas no início do século XX e tem colaborado nos processos de demarcação de terras realizados pela FUNAI, indenizando os proprietários não indígenas (LEI Nº 7.916, DE 16 DE JULHO DE 1984) que compraram ou herdaram lotes destes projetos de colonização de terras indígenas. Essa ação cria condições mais favoráveis aos não-indígenas que ocupam a área, que terão indenizadas suas benfeitorias pela FUNAI, conforme legislação nacional vigente, e recebendo ainda indenização do Estado do Rio Grande do Sul pelas terras.

Na década de 1990 foi criada uma Comissão Interinstitucional composta por representantes do Estado do Rio Grande do Sul, FUNAI, Ministério Público Federal, INCRA e outros, para analisar os processos de colonização e a expropriação das terras indígenas. Esta Comissão delineou propostas de pagamento das indenizações aos colonos e, por hora, a comunidade de Mato Preto espera a publicação do relatório da Funai para poder os órgãos liberarem seus recursos e indenizarem os ocupantes não-indígenas.

*Por Nuno Nunes

Centro de Trabalho Indigenista

——

English**

Indigenous Guarani of the Village Mato Preto request urgent demarcation and occupy FUNAI headquarters in Passo Fundo, Rio Grande do Sul*

The site of the National Foundation for Indigenous Affairs (FUNAI) in Passo Fundo was occupied by circa 50 indigenous people of the Guarani ethnicity on day 3 of November of 2009. They are calling for urgent finalization of the report on identification and delimitation of the Indigenous Land Mato Preto. This area is in the northwest region of [the state of] Rio Grande do Sul, Alto Rio Uruguai, on the divide between the municipalities of Getúlio Vargas and Erebango, in the pre-existing Floresta Mato Preto, which was devastated through soy monoculture by colonists brought in by the state of Rio Grande do Sul.

The Guarani have suffered several processes of expulsion in the region since the Jesuit reductions in the 17th and 18th centuries, the intromissions of the Farroupilha Revolution that was fought throughout the traditional indigenous territory, and most recently by the European colonization in the region settled by the state of Rio Grande do Sul.

The Guarani were expulsed from Mato Preto in the decade of the 1950s, and came to live in the Kaingang Indigenous Land of Cacique Doble, RS and other villages in the region. It was only in 2002 that the Guarani succeeded, with the Funai, in undertaking a preliminary survey on Mato Preto, which concluded with the creation of a ‘Grupo Técnico (GT- technical group) for identification and delimitation of the land, based on Article 231 of the Federal Constitution and on Presidential Decree 1.775 of 1996.

As a result of this, the Guarani mobilized and undertook a re-occupation of their traditional area in September of 2003, rightfully claiming measures be taken by Funai. The report with the conclusions of the study was delivered by anthropologist Flávia de Melo in October of 2005, indicating the identification of approximately 4000 hectares. However, with the problems generated by non-acceptance of demarcation on the part of the settlers, land study by Funai was made difficult causing delay in the process and finalization of the report. The Court set a deadline for Funai to finalize the study and publish it by November 22 of 2009.

At present the Funai awaits finalizations of the report by anthropologist Flavia Melo for publication and the subsequent demarcation proceeding. In the same way, the community awaits the Funai publication in order that there be released indemnification monies for the non-indigenous [persons] on the 223 hectares irregularly occupied by colonists in the area reserved for the Guarani by the state of Rio Grande do Sul at the beginning of the 20thcentury. And together with other indigenous communities of Rio Grande do Sul, they hope that the government of Yeda Crusius complies with the law No. 7.916, of 16 July of 1984, which anticipates indemnification of the colonists settled by the state on those lands recognized as indigenous lands.

Cacique Joel Pereira states that the community can no longer endure the delay in resolving their problem. “We are on a strip of land between the street and the railroad, there is no space for planting food, for water captation, and one of our shamans has already died for lack of proper conditions. It must stop now!”.

The coordinator of the Council of the Association of Guarani People of RS, (Conselho de Articulação do Povo Guarani do Rio Grande do Sul), Mauricio Gonçalves, says that they occupied the Funai in support of the community of Mato Preto, and also call for the release of funds for indemnification of the non-indigenous proprietors that are within the TI Cantagalo, in Viamão, RS, for the purpose of enabling the community from there to finally have exclusive usufruct of the area, as provided by law.

The representative of the Commissão Nacional de Terra Guarani Yvy Rupa, Leonardo Werá Tupã, supports the occupation and says that it is [due to] delayed finalization of regularization of Mato Preto, and unfortunately the indigenous people are obligated to take actions like this occupation in order for the process to be concluded, because there are many anti-indigenous interests acting on the honorable search for guarantee of the land to its rightful landlords.



Background on the process of TI Mato Preto

The Terra Indigena (TI – Indigenous Land) of Mato Preto is located at the divide between the municipalities of Getúlio Vargas and Erebango; in the northwest of Rio Grande do Sul. It has west limitrophe with Terra Indigena Kaingang Ventarra. The current village was erected in an area of minimal dimensions on a public domain strip located between the railroad tracks of the RFFSA and the state highway of RS 135, which links the municipalities of Getúlio Vargas and Erechim. The area where the permanent dwellings are constructed measures approximately 300 by 30 meters.

Years ago the state of Rio Grande do Sul sold the areas to agriculturalists, who constructed their lives there. Later, these areas were identified as indigenous, already being of traditional indigenous occupation, which generated the necessity of those agriculturalists to leave those lands. Nevertheless, the agriculturalists refuse to abandon the area, as they were not indemnified by the state.

Legally, this area is already guaranteed by State Decree n. 3.004 of 10/8/1922, which addresses “Regulation of Public Lands and its Population”, and determines that “Indian lands are those found to be occupied by them” and that “The State considers such (lands) independent of any special title of domain, as a consequence of property by occupation by them (indians)”. Paragraph “a” of article 23 entrusts to the “State” to guarantee the lands occupied by the indigenous peoples and moreover property of these (Decree n. 3.004/1922, the demarcation of “Floresta Mato Preto” in 1929, later in its promulgation, disregarded the area of total occupation of the indigenous people and even further restricted the area of occupation of the Guarani families.

From that period we have the “Project of demarcation of rural lots” and the consequent “Planta da Floresta Matto Preto”, which are signed by Caio Escobar and registered in the Directoria de Agricultura of the Government of the State of Rio Grande do Sul, on 22/04/1929, with a total area of 1,014.20 hectares. The “Project of demarcation of rural lots” established three subdivisions, called polygons A, B and C”. One of these polygons, Polygon B, is demarcated as “Area Indicated for the Guarany Indians”, with 223 hectares and the Polygons A and C are designated to subdivision and sale. The Guarani occupation of the time is registered in the topographic survey of Caio Escobar. That survey delimits Floresta Mato Preto and indicates the location of an “indian settlement” within the area called “Polygon B”.

At present, the government of the state of Rio Grande do Sul recognizes the illegality of the actions of colonization practiced at the beginning of the 20thcentury and has collaborated in the processes of demarcation of lands made by the FUNAI, indemnifying the non-indigenous proprietors (LAW No. 7.916, OF 16 OF JULY OF 1984) who bought or inherited lots from this project of colonization of indigenous lands. This action creates conditions more favorable to the non-indigenous who occupy the area, who would have their constructions indemnified by FUNAI, in accordance with national legislation that is in effect, and receiving further indemnification from the State of Rio Grande do Sul for the lands.

In the decade of the 1990s the Interinstitutional Commission was created by representatives of the State of Rio Grande do Sul, FUNAI, the Federal Public Ministry, INCRA and others, for analyzing the processes of colonization and the expropriation of the indigenous lands. This Commission delineated proposals of payment of indemnification to the colonists and, in time, the community of Mato Preto awaits the publication of the report by Funai to enable the agencies to release their resources and indemnify the non-indigenous occupants.

* BY Nuno Nunes - http://acordaterra.wordpress.com/

**BY Meg Kidd

FONTE:

UM BARRIL DE PÓLVORA NO NORTE DO RS


ZERO HORA 21 de outubro de 2013 | N° 17590


INFORME RURAL | THIAGO COPETTI (INTERINO)



Um barril de pólvora no Norte do Estado

Um tema árido espera o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, para a aguardada visita ao Estado, que não mais ocorrerá nesta quarta-feira, como previsto anteriormente. Cardozo se reunirá com produtores rurais para falar sobre a demarcação de terras indígenas no Rio Grande do Sul.

O encontro anunciado na semana passada, foi adiado para o final do mês ou início de novembro, de acordo com Ricardo Zamora, chefe de gabinete do governador Tarso Genro.

A transferência, porém, não agradou aos agricultores da Região Norte, que em protesto podem voltar às ruas com seus tratores, como fizeram na sexta-feira, em Passo Fundo, diz o presidente do sindicato rural do município, Paulo de Tarso, chamando atenção para o caso.

A situação é preocupante pelo futuro econômico dos produtores, mas também por um motivo de curto prazo. O desafio imediato do ministro não é resolver a disputa judicial, mas pelo menos arrefecer os ânimos em cidades como Sananduva e Mato Preto. Os dois municípios são um barril de pólvora com pavio não muito longo, e estão entre aqueles que podem perder grandes áreas hoje em mãos de agricultores.

– O clima é tenso, e daqui a pouco acaba tendo alguma vítima, agricultor ou índio. Entendemos o lado dos índios também, mas não se pode tirar de casa imigrantes e seus descendentes, que estão nessas terras há 140 anos – critica o presidente do sindicato rural de Passo Fundo.

Sidimar Lavandoski, integrante da diretoria da Fetraf/Sul e coordenador do tema na entidade, diz esperar que o governo traga ao encontro uma proposta de solução para desemperrar o caso de uma vez.

– Queremos basicamente que o assunto ande, porque está parado e não vemos nada ser feito. Não está se apontando um caminho para evitar as desapropriações – avalia Lavandoski.

Mais do que em Estados como o Mato Grosso do Sul – onde a maior parte das terras é fruto de grilagem, de acordo com Zamora –, no Rio Grande do Sul a questão é a legalidade das desapropriações e indenizações.

– Aqui são terras em que se têm títulos de propriedade concedidos pelo Estado. Só em Mato Preto, são 4,2 mil hectares envolvendo 370 famílias – completa Zamora, que coordena o grupo de trabalho do governo gaúcho sobre o assunto.




G1 18/10/2013 17h24

Agricultores fazem protesto contra demarcação de áreas indígenas no RS. Pelo menos 200 tratores percorreram 15 quilômetros em Passo Fundo. Grupo também se mobilizou em frente ao Ministério Público da cidade.

Fábio LehmenDa RBS TV
Pelo menos 200 tratores percorreram mais de 15 km em Passo Fundo (Foto: Fábio Lehmen/RBS TV)

Agricultores que se dizem prejudicados pela demarcação de áreas indígenas no Norte do Rio Grande do Sul realizaram na tarde desta sexta-feira (18) um “tratoraço” em Passo Fundo. Pelo menos 200 tratores percorreram mais de 15 quilômetros na área urbana da cidade. No caminho, mais de 300 agricultores aumentaram a mobilização.

“Nasci e me criei na minha terra, temos escritura e agora querem tomar”, diz o agricultor Timóteo dos Santos.

O grupo também se mobilizou em frente ao Ministério Público Federal da cidade. O ato serviu para sensibilizar a Fundação Nacional do Índio (Funai). O órgão realiza a demarcação em três áreas do Norte do estado que somam quase 30 mil hectares. Estudos antropológicos concluíram que as terras pertenceriam às famílias indígenas.

'Tratoraço' foi realizado durante a tarde em Passo
Fundo, RS (Foto: Fábio Lehmen/RBS TV)

O protesto com tratores se estendeu durante toda a tarde e complicou o trânsito da mais extensa avenida de Passo Fundo. “Se não trouxermos esse pouco de transtorno e lutar pela nossa terra, quem vai sustentar a cidade, o índio?”, indaga o produtor rural Adroaldo Carassa.

No Rio Grande do Sul, a estimativa é que dez regiões sejam demarcadas. O total atinge cerca de cem mil hectares. A Funai afirma que mantém o processo de demarcação, mas que não incentiva a retirada de agricultores.



quinta-feira, 10 de outubro de 2013

ALTA TAXA DE SUICIDIO DE INDIOS JOVENS

Roldão Arruda

O ESTADO DE S.PAULO, 09.outubro.2013 19:09:02

ONG associa alta taxa de suícidio entre índios jovens a problemas fundiários

A taxa de suicídio entre os índios guaranis é 34 vezes maior que a taxa nacional. Só ano passado 56 indígenas daquela etnia cometeram suicídio, de acordo com dados do Ministério da Saúde. A maioria das vítimas tinha idade entre 15 e 29 anos. A pessoa mais jovem da lista era uma criança, de 9 anos.

Esses números foram divulgados hoje pela Survival International para lembrar o Dia Mundial da Saúde Mental, que será comemorado amanhã, 10 de outubro. A organização, que se dedica à defesa de populações indígenas que enfrentam ameaças, alerta que o problema do suicídio entre os jovens guaranis está associado à desorganização social, decorrente da perda de suas terras.



Segundo a organização, o caso dos índios brasileiros não é isolado. Povos indígenas ao redor do mundo apresentam taxas de suicídio mais altas que a média nacional. No caso brasileiro, o problema poderia ser reduzido se as terras reivindicadas pelos guaranis fossem demarcadas.

Ouvido pela organização que tem sede em Londres, o índio Rosalino Ortiz também associa os suicídios entre jovens aos conflitos pela terra. “Os Guarani estão se suicidando por falta da terra. A gente antigamente tinha a liberdade, mas hoje em dia nós não temos mais liberdade. Então, por isso, os nossos jovens vivem pensando que eles não têm mais condições de viver. Eles se sentam e pensam muito, se perdem e se suicidam.”

No Mato Grosso do Sul, grupos indígenas que reivindicam terras estão vivendo em condições precárias à margem de rodovias. As poucas reservas que possuem estão superpovoadas e são comuns casos de desnutrição e alcoolismo.



A Survival tem feito campanhas para que o governo brasileiro demarque as terras dos guaranis em regime de urgência. Também está procurando sensibilizar empresas internacionais para quem deixem de comprar produtos oriundos de terras reivindicadas pelos índios. Na maior parte dos casos elas foram ocupadas por lavouras de cana-de-açúcar.

Em Brasília, porém, o Congresso caminha em outra direção: discute uma proposta de emenda constitucional, a PEC 215, que retira do Poder Executivo a autoridade para a demarcação de terras indígenas. Para a Survival, a mudança da Constituição seria um desastre, uma vez que a bancada ruralista passaria a ter força para vetar ou postergar as reivindicações indígenas.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

ÍNDIOS INVADEM PROPRIEDADE NO INTERIOR DO RS

REDE SUL DE RÁDIO

por Rudimar Galvan - Cacique , dia 03/10/2013 às 11:18

Índios invadem duas propriedades rurais em Sananduva. Caingangues querem demarcação de área indígena com urgência




Cerca de cem índios invadiram uma propriedade rural em Sananduva, na manhã de segunda-feira. Já na tarde de quarta-feira mais uma propriedade foi invadida por um novo grupo de índios caingangues. Esta é a terceira vez que uma propriedade do município é invadida em menos de três meses. Os indígenas reivindicam a demarcação de uma área de 1,9 mil hectares em Sananduva e em Cacique Doble.

O grupo invadiu duas propriedades na comunidade Bom Conselho e ocupou as instalações. Conforme a Brigada Militar do município, eles entraram no local armados com flechas e lanças e pedem a demarcação das terras. Caso o pedido não seja atendido, o grupo relatou à BM que deve invadir outras propriedades. Antes da invasão, de acordo com a polícia, os indígenas estavam acampados em uma área particular de Cacique Doble, município vizinho.

Os donos das propriedades já entraram na Justiça com pedidos de reintegração de posse. A Brigada Militar monitora a segurança no local e não descarta a possibilidade de acionar reforço.

Entenda do caso:

— Cerca de 110 famílias de agricultores de Sananduva e Cacique Doble, temem perder 152 propriedades devido a demarcação de terras indígenas nos municípios.

— Os índios reivindicam 1,9 mil hectares, onde residem e trabalham agricultores familiares, com propriedades de 12 hectares em média.

— A Fundação Nacional do Índio (Funai) iniciou o estudo preliminar da área em Sananduva e Cacique Doble em 2005 e concluiu o documento em 2009.

— Em 2011, o Ministro da Justiça assinou a portaria que declarou a área como terra indígena.

— Em março deste ano, iniciou o processo de demarcação. Os agricultores, que têm escrituras com mais de cem anos, pretendem lutar na Justiça pelas áreas.

— No início de julho, um grupo de 50 índios invadiu uma propriedade na Comunidade São Caetano e acirrou o conflito agrário no município.

— Uma semana depois, um protesto dos agricultores, com o bloqueio das estradas que ligam o Centro de Sananduva com a comunidade de São Caetano, terminou em uma briga generalizada entre índios e agricultores. O conflito, que teve tiroteio e pedradas, deixou pelo menos quatro pessoas feridas. Três agricultores e um indígena tiveram de ser encaminhados ao hospital.

O conflito agrário no Estado:

— Em todo o Estado, os indígenas reivindicam 100 mil hectares em novas áreas e ampliações de propriedades já delimitadas — o equivalente ao dobro do tamanho de Porto Alegre. Segundo a Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul do Brasil (Fetraf-Sul), isso representaria o desalojamento de pelo menos 10 mil famílias de agricultores.

— As novas áreas e ampliações praticamente dobrariam as terras indígenas já regularizadas ou em regulamentação, contabilizadas em 108 mil hectares. No total, somariam mais de quatro vezes a dimensão da Capital.

— O Rio Grande do Sul é o Estado que apresenta o maior número de áreas indígenas sujeitas a conflito no país, conforme um levantamento do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). O relatório demonstra que 17 dos 96 territórios classificados como em situação de risco ou conflito estão localizados em solo gaúcho, o que representa 17,7% do total nacional.

PROTESTO CONTRA DEMARCAÇÕES

ZERO HORA 03 de outubro de 2013 | N° 17572

MOBILIZAÇÃO NACIONAL. Protestos de indígenas contra demarcações


Povos indígenas realizaram várias manifestações pelo país ontem com o objetivo de chamar a atenção da sociedade para as violações a direitos dos grupos. Os protestos, que integram a Mobilização Nacional Indígena, também querem barrar iniciativas políticas consideradas contrárias aos interesses das etnias, como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que transfere a competência da União na demarcação das terras indígenas para o Congresso Nacional.

Em Porto Alegre, um grupo de índios, acompanhado de quilombolas, realizou ato em frente ao Palácio Piratini. Os manifestantes receberam apoio do Bloco de Luta pelo Transporte Público. Para garantir a segurança, policiais se posicionaram na prefeitura e na sede do governo estadual. No final da tarde, cerca de 50 PMs da tropa de choque se enfileiraram na frente do Palácio e o trânsito ficou bloqueado por cerca de uma hora e meia.

Em uma reunião, às 14h de hoje, no Ministério Público Federal, o Estado deve entregar uma resposta, por escrito, às reivindicações que envolvem a suspensão de demarcações e a solução de conflitos em territórios indígenas e quilombolas. Deve haver uma nova manifestação durante o encontro.

Em Brasília, indígenas se reuniram com o presidente em exercício da Câmara, deputado André Vargas (PT-PR), para pressionar os deputados a arquivar a PEC 215. Vargas informou que a Casa aguarda decisão de um grupo de trabalho para definir uma política efetiva de demarcação. Em São Paulo, índios bloquearam uma das pistas da avenida Paulista.

sábado, 31 de agosto de 2013

CONFRONTO ENTRE PM E ÍNDIOS NA FRENTE DO PALÁCIO DO GOVERNO RS

FOLHA.COM 30/08/2013 - 16h45

Polícia joga bombas em índios acampados em Porto Alegre

DE SÃO PAULO


FELIPE BÄCHTOLD
DE PORTO ALEGRE

Policiais militares e índios entraram em confronto em frente ao palácio do governo do Rio Grande do Sul na tarde desta sexta-feira (30) em Porto Alegre.

Homens da tropa de choque lançaram bombas de gás lacrimogêneo contra um acampamento montado por centenas de índios na praça em frente à sede do governo. Segundo os manifestantes, uma pessoa ficou ferida e precisou de atendimento médico.

Os índios, das etnias guarani e caingangue, pedem rapidez na retirada de agricultores de terras do interior gaúcho. O governo de Tarso Genro (PT) se comprometeu a ajudar no pagamento de indenizações aos produtores rurais como forma de facilitar a saída e regularizar terras indígenas.

Os indígenas afirmam que já discutiram o assunto em junho com o governo e que não houve evolução no processo.

Felipe Bächtold/Folhapress

Policiais militares cercam o palácio do governo gaúcho, em Porto Alegre, após confronto em manifestação de indígenas


"Ele [Tarso] está muito no papo e isso não está resolvendo. Enquanto isso, os índios são ameaçados por fazendeiros", diz Luís Salvador, líder de uma comunidade da cidade de Vicente Dutra (a 453 km de Porto Alegre).

Dezenas de barracas foram montadas na praça, onde também ficam a Assembleia Legislativa e o palácio da Justiça gaúcha.

Pela manhã, sindicalistas que promovem um dia de mobilização pelo país estiveram na praça e também protestaram.

O tumulto começou por volta das 15h30, quando os manifestantes se aproximaram de uma barreira montada pelos policiais militares na frente do prédio.

A explosão das bombas revoltou os manifestantes e atraiu para o local não índios indignados com a ação policial. Eles reclamam que as bombas foram jogadas contra crianças e idosos acampados.

Os indígenas afirmam que só vão sair da praça quando o governo do Estado se comprometer em documento a atender suas demandas. Dezenas de integrantes da tropa de choque permaneciam cercando o palácio na tarde desta sexta-feira (30).

MILÍCIA ERA PAGA PARA ATACAR ÍNDIOS NO MS

FOLHA.COM 29/08/2013 - 20h17

Milícia armada recebia R$ 30 mil para atacar índios em MS, diz Procuradoria


DE SÃO PAULO



O Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul acusa uma empresa de segurança de Dourados (250 km de Campo Grande) de atuar como "milícia privada" para intimidar e expulsar índios de terras sob litígio no Estado.

A Procuradoria pede a dissolução e o cancelamento do registro da Gaspem Segurança Ltda.

A empresa trabalha com vigilância e segurança privada, mas, segundo o MPF, realiza ações violentas para retirar índios guarani-caiová de terras ocupadas ou intimidá-los.

Funcionários da Gaspem também enfrentam processo pelas mortes dos líderes guaranis Dorvalino Rocha, em 2005, e Nízio Gomes, em 2011, na região de Ponta Porã, na fronteira com o Paraguai.

Segundo depoimentos ao MPF, a empresa chegava a receber R$ 30 mil para cada desocupação violenta.

O órgão afirma que a empresa, além de se desviar de sua finalidade, é "indiscutivelmente" ilícita, e pede em caráter liminar a suspensão das atividades e o bloqueio de R$ 480 mil para assegurar pagamento por dano moral coletivo.

"Os atos de defesa privada são excepcionais e devem ser exercidos com presteza, proporcionalidade e moderação", afirma a ação do MPF.

IRREGULARIDADES SOB APURAÇÃO

As investigações apontam ainda outras irregularidades na Gaspem, como contratação de vigilantes terceirizados sem curso de formação, porte ilegal de armas, falta de treinamento para manuseio de armas não letais e fraudes administrativas.

A empresa, de acordo com a Procuradoria, é administrada de fato por um ex-servidor estadual da área de segurança pública, que não poderia exercer esse trabalho.

A Folha não conseguiu localizar os responsáveis pela Gaspem no início da noite desta quinta-feira (29). No site da Justiça Federal ainda não constava o nome do advogado de defesa da empresa.

terça-feira, 30 de julho de 2013

O QUE QUEREM OS ÍNDIOS

Revista Veja, Edição 2295, de nov 2012


A mais completa pesquisa de opinião já realizada nas aldeias brasileiras revela como os índios vivem e o que eles esperam do futuro. A maioria quer progredir socialmente, mas ainda depende do governo para sobreviver

Leonardo Coutinho

Uma das principais reclamações dos índios é a de não serem ouvidos. De tempos em tempos, eles tingem o corpo de vermelho e negro em sinal de guerra e saem a brandir suas bordunas, arcos e flechas em frente a representantes do governo para chamar atenção para suas reivindicações. 

Na maioria das vezes, a sociedade brasileira só fica sabendo de suas demandas por meio de intermediários - padres marxistas ou ongueiros que fazem com que os moradores das cidades acreditem que os problemas indígenas consistem em falta de terras e em obras de infraestrutura nocivas ao ambiente. 

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha a pedido da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) pôs fim a essa lacuna. É o mais completo levantamento das opiniões dos índios brasileiros já realizado. Durante 55 dias, os pesquisadores visitaram 32 aldeias em todas as regiões do país e entrevistaram 1222 índios de vinte etnias. Trata-se de uma amostra robusta maior, proporcionalmente, do que a que costuma ser usada nas sondagens eleitorais. 

As respostas revelam que os índios têm aspirações semelhantes às da nova classe média nacional, ou seja, querem progredir socialmente por meio do trabalho e dos estudos. Eles sonham com os mesmos bens de consumo e confortos da vida moderna, sem deixar de valorizar sua cultura. Muito do que é apresentado pelos intermediários da causa indígena como prioridade nem sequer aparece na lista das preocupações cotidianas dos entrevistados. "A pesquisa libertará os índios da sua falsa imagem de anacronismo", diz a presidente da CNA, a senadora Kátia Abreu (PSD/TO). Nove em cada dez índios acham melhor morar em casa de alvenaria do que numa maloca. Oito em cada dez consideram muito importante ter um banheiro sob o teto em que vivem, um conforto desfrutado por uma minoria. Quase metade dos indígenas adoraria tomar uma ducha quentinha todos os dias. O grupo de índios donos de automóveis é seis vezes a média dos brasileiros de classes C e D. "Ninguém deixa de ser índio por querer viver bem. É inaceitável que as regras de como devemos ser continuem sendo ditadas de cima para baixo sem levar em consideração a nossa vontade", diz Antonio Marcos Apurinã, coordenador-geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, que representa 160 etnias. Segundo Apurinã, por causa da falta de condições adequadas nas áreas demarcadas, muitas aldeias passam por um êxodo sem precedentes. Há quatro anos, 12500 índios viviam na periferia de Manaus. 

Hoje, estima-se que mais de 30000 vivam apinhados em construções precárias na cidade. Se a criação de reservas é alardeada como a demanda mais urgente dos povos indígenas, por que eles as estão abandonando para viver em favelas? Com a palavra, os índios. 

O problema mais citado é a precariedade dos serviços de saúde. Eles se queixam principalmente da falta de medicamentos farmacêuticos (que eles valorizam tanto quanto os remédios tradicionais) e de médicos. Em segundo lugar está a falta de emprego. "Nós não vivemos mais como nos meus tempos de infância. A nova geração compreende a vantagem de ter um emprego, uma renda. Ela quer ter roupa de homem branco, celular e essas coisas de gente jovem. 

Os governantes precisam aprender que nossos filhos querem ter tudo que os filhos do homem branco têm. Falar português, ir para a universidade e ser reconhecidos como brasileiros e índios", diz o cacique Megaron Txucarramãe, um dos mais respeitados líderes caiapós, de Mato Grosso. A questão fundiária é um tema marginal. Quando instados a falar sobre seus problemas individuais, os entrevistados nem sequer citaram a criação ou a ampliação de reservas. O assunto só ganhou relevância quando aplicado aos índios em geral. Nesse caso, a demarcação de áreas é o segundo problema mais mencionado, depois de saúde. Isso significa que, quando pensam nos outros índios, os entrevistados são tão influenciados pela campanha a favor da demarcação de reservas como o restante da população. Ao avaliarem sua situação pessoal, porém, apontam outras prioridades. "Quando nos fazem acreditar que precisamos de mais reservas, os problemas mais urgentes são esquecidos", diz o índio macuxi Jonas Marcolino, de Roraima, formado em matemática e estudante de direito. É claro que, quando questionados se gostariam de ter mais terras, a maioria dos índios entrevistados disse que sim. Se a pergunta fosse feita a um fazendeiro, qual seria a resposta? A mesma, evidentemente. O sociólogo Bernardo Sorj, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, explica que, ao conviverem com o resto da sociedade, é inevitável que os povos indígenas absorvam valores e expectativas da cultura nacional e aspirem aos mesmos direitos. "Trata-se de um processo de transformação crivado de tensões que exige dos índios um esforço para aliar a tradição à modernidade. Cabem aos demais brasileiros compreensão, respeito e apoio para que eles façam essa síntese, que será sempre instável, entre a ancestralidade e a vida moderna", diz Sorj. Missionários e militantes que tentam resumir a questão indígena à expansão das reservas, anotem: o que os índios mais querem é saúde, emprego e saneamento.

O sonho da modernidade A pesquisa do Datafolha encomendada pela CNA mostra que os índios aspiram às mesmas conquistas materiais e sociais almejadas pela maioria dos brasileiros. Para eles, não há contradição entre a identidade indígena e os confortos e desafios da vida moderna, o que inclui trabalhar e estudar como qualquer outra pessoa. Eles querem cidadania plena e não desejam viver como os antepassados viviam cinco séculos atrás. Foram entrevistados 1222 moradores de 32 aldeias indígenas em todas as regiões do país.