sexta-feira, 31 de maio de 2013

PF VAI APURAR MORTE DE ÍNDIO EM FAZENDA DO MS

PF vai apurar morte de índio baleado em fazenda do MS
O ESTADO DE S.PAULO, 31 de maio de 2013 | 8h 38


DAIENE CARDOSO E JOÃO NAVES DE OLIVEIRA, ESPECIAL PARA O ESTADO - Agência Estado


O Ministério da Justiça determinou que a Corregedoria da Polícia Federal investigue a morte do índio terena Oziel Gabriel, de 35 anos, durante a reintegração de posse de uma fazenda ontem, em Mato Grosso do Sul. O ministro José Eduardo Cardozo disse haver imagens da ação, que envolveu policiais federais e militares, e que, por ora, é impossível dizer quem matou o índio. "Caso exista abuso, tomaremos as medidas cabíveis."

A reintegração de posse da Fazenda Buriti - situada no município de Sidrolândia, a 70 km de Campo Grande, e pertencente ao ex-deputado estadual pelo PSDB Ricardo Bacha - foi determinada pela Justiça Federal. Houve confronto entre os indígenas e as forças policiais - 250 PMs e um contingente da PF não informado pelo órgão. Além da morte de Gabriel, que era pai de dois adolescentes, ao menos cinco índios e três policiais federais teriam sido feridos.

A PF prendeu 14 indígenas adultos e outros 3 menores ficaram apreendidos na delegacia de Sidrolândia. Foram encontradas duas espingardas e um revólver, segundo o superintendente da PF, Edgar Marcon. Os índios deixaram o local e voltaram para a Aldeia Córrego do Meio, no mesmo município, onde começaram a velar o corpo de Gabriel. O enterro será hoje.

Após o confronto e a notícia da morte do índio, o governo de Mato Grosso do Sul afirmou em nota que os policiais militares usaram balas de borracha na ação, e não armas de fogo. O texto diz que "o comando da PM recebeu da Polícia Federal informação de que contra os policiais teria sido utilizada arma de fogo". A PF em Mato Grosso do Sul informou que seus homens foram recebidos com disparos de armas de fogo.

Em Brasília, o ministro da Justiça disse não ter sido procurado pelo governador do Estado, André Puccinelli (PMDB), e foi irônico ao ser questionado sobre a informação de que a PM afirmou não ter usado armas de fogo. "Então ele (Puccinelli) já tem a investigação concluída?", afirmou Cardozo ao Estado.

Disputa

A delimitação da terra alvo da disputa ocorreu em 2010, quando a área da etnia terena passou de 2 mil para 17,2 mil hectares. A terra indígena engloba nove aldeias, com cerca de 3.500 índios, que ocupam 3 mil hectares. Atualmente, há 62 propriedades invadidas no Estado, das quais 17 estão na região de Sidrolândia. Ações judiciais impedem a demarcação física dos limites da área.

Segundo Cardozo, a ordem de reintegração já havia sido expedida anteriormente pelo juiz que, alertado por um oficial de Justiça sobre a dificuldade em se cumprir o mandado pacificamente, suspendeu a decisão e promoveu na noite de quarta-feira uma audiência para buscar acordo entre os índios e o proprietário da fazenda. O ministro disse que Bacha não aceitou aguardar o fim dos recursos e, com isso, a Justiça determinou a reintegração. Cardozo reconheceu que "há uma situação de tensão real" envolvendo as terras indígenas no País.

OS ÍNDIOS, A LEGISLAÇÃO E QUEM A DESRESPEITA

31 de maio de 2013 | 2h 08

Washington Novaes* - O Estado de S.Paulo


Diz o relatório anual O Estado dos Direitos Humanos no Mundo, divulgado pela Anistia Internacional (BBC Brasil, 22/5), que "vivemos em um país sob um déficit de justiça muito grande" em vários setores, principalmente indígenas e de moradores de favelas, como sintetizou seu diretor executivo no Brasil, Atila Roque. Segundo ele, o "marco institucional" garante os direitos, "mas na prática isso não se realiza".

Como é observado no documento, para os indígenas 2012 foi um ano de "acirramento da violência", usada como "instrumento para favorecer interesses econômicos" - com "brutalidade chocante", de que o caso dos índios caiovás-guaranis, de Mato Grosso do Sul (MS), é um dos exemplos. E poderá haver muitos outros se prosperarem projetos em tramitação no Congresso Nacional, como o de emenda constitucional que propõe retirar da Fundação Nacional do Índio (Funai) - e passar para o Congresso - a atribuição de demarcar terras indígenas. Ou a proposta da "bancada ruralista" de CPI para analisar as relações da Funai e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) com organizações não governamentais (ONGs). A bancada cobra ainda a volta da portaria da Advocacia-Geral da União que autoriza o governo a contratar a implantação de rodovias, hidrelétricas, linhas de transmissão de energia em terras já demarcadas.

Por enquanto, a Casa Civil da Presidência mandou suspender processo de demarcação de terras no Paraná - onde há divergências entre a Funai e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) - e o ministro da Justiça promete para até o fim do ano novas regras para demarcação, que valerão para cem processos já em andamento (O Globo, 11/5). Mas ele diz ser contra a transferência de atribuições da Funai para o Congresso, pois "seria inconstitucional" (Folha de S.Paulo, 20/4). Já a ministra-chefe da Casa Civil, sabe-se, prepara um "pacote de mudanças no processo de demarcação" (Estado, 9/5) que altera os processos de identificação e demarcação de terras, basicamente para contemplar os "ruralistas" e impedir que passem a se opor ao Executivo no Congresso. A chefe da Casa Civil ainda lembrou que o Executivo aguarda decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em embargos declaratórios no processo sobre a demarcação da área dos índios ianomâmis, de 2008.

Enquanto isso, parece iminente a ameaça de conflito armado entre 45 mil índios caiovás-guaranis e fazendeiros que disputam suas terras em MS. É tema sobre o qual o autor destas linhas escreve há décadas. Centenas deles já morreram nos conflitos. E um jovem guarani suicidou-se no dia seguinte ao de seu casamento; enforcou-se numa árvore e deixou escrito na terra, sob seus pés: "Eu não tenho lugar" (sem terras, não teria como viver segundo sua cultura; fora delas, estaria condenado a ser boia-fria, mendigo, alcoólatra, como tantos outros).

É oportuno que, numa hora difícil, venha à luz o livro O Profeta e o Principal, do antropólogo Renato Sztutman (USP), que trata da obra do antropólogo francês Pierre Clastres, que morreu muito moço, mas conheceu várias etnias brasileiras, entre elas a dos guaranis. Um dos livros de Clastres trata exatamente dessa etnia - e do que ele designava como "sociedade contra o Estado". Esse é o título de outra obra sua, onde mostra que nós, não índios, nos habituamos a descrevê-los não pelo que têm, e sim pelo que não têm - não usam roupas, não detêm nossas tecnologias, não vivem como brancos. Com isso nos esquecemos do que têm e pode ser muito importante: 1) a não delegação de poder (o chefe não dá ordens; é o conhecedor da história e da cultura, o grande mediador de conflitos, mas não dá ordens - até porque seria recebido com espanto); 2) a autossuficiência no nível pessoal (um índio, na força de sua cultura, sabe fazer sua casa, plantar sua roça, colher, fazer seus instrumentos de trabalho e adorno, sua rede, conhece as plantas nativas úteis, etc., não precisa de ninguém para nada); e 3) o privilégio de conviver com a informação aberta, ninguém dela se apropria para transformar em instrumento político ou econômico.

Renato Sztutman pensa que "por se estruturarem como uma sociedade contra o Estado os guaranis se tornam indesejáveis para a nossa sociedade e o Estado hegemônicos", e ainda cercados pelo agronegócio (Agência Fapesp, 9/4) - embora até no Município de São Paulo haja três aldeias dessa etnia.

Nesta hora de graves ameaças aos direitos indígenas - que temos de respeitar - precisamos relembrar o parecer do respeitado constitucionalista José Afonso da Silva no processo em que o STF reconheceu o direitos dos índios ianomâmis a suas terras em Roraima. Catedrático de universidades, assessor de Mário Covas na Constituinte de 1988, secretário de Segurança Pública em São Paulo, o professor José Afonso liquidou a questão ao demonstrar que o reconhecimento dos indígenas a terras por eles ocupadas imemorialmente vem da legislação de Portugal, desde1640. Foi mantido pela legislação do século seguinte, chegou à nossa primeira Constituição, foi preservado nas de 1934, 1967 e 1988 - nesta, com o reconhecimento de que a demarcação de suas terras é um ato "meramente declaratório", antecedido pelo "direito originário" que está no artigo 231. "A demarcação", diz o parecer, "não cria nem extingue direitos, reconhece apenas a situação de fato e o direito consequente". E sendo assim, "a localização e extensão da terra indígena não é determinada segundo critérios de oportunidade e conveniência do poder público, porque o critério que define a localização e a extensão das terras é o da ocupação tradicional, ou seja, a demarcação tem de coincidir, precisamente, com as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, definidas cientificamente por via antropológica". E isso, conclui ele, não ameaça a soberania nacional nem a atuação das Forças Armadas.

Em meio a tantas ameaças aos índios, convém refletir sobre isso.

* Jornalista.



quinta-feira, 30 de maio de 2013

REINTEGRAÇÃO DE POSSE VITIMA ÍNDIGENA

G1 RS - 30/05/2013 20h57

PF vai abrir inquérito para apurar quem matou índio no MS, diz ministro. 'É impossível nesse momento se dizer quem matou o índio', disse Cardozo. Ele disse que, caso exista abuso, medidas cabíveis serão tomadas.

Alexandro MartelloDo G1, em Brasília




O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, lamentou nesta quinta-feira (30) o conflito entre policiais e indígenas durante um processo de reintegração de posse no Mato Grosso do Sul, que acabou vitimando um indígena, e afirmou que um inquérito será aberto para investigar o que aconteceu no local.

"É impossível, nesse momento, se dizer quem matou ou quem atirou no índio. Se foi Polícia Federal ou Polícia Militar [do Mato Grosso do Sul]. Já determinamos abertura de inquérito. Vamos apurar sem fazer prejulgamento ou tirar responsabilidade de quem quer que tenha feito. Vamos apurar os fatos para não ser injusto com ninguém e fazer com que a lei seja cumprida", declarou o ministro a jornalistas.

Mais cedo, a Polícia Federal no Mato Grosso do Sul confirmou que os agentes usaram armas de munição letal durante a reintegração. O superintendente Edgar Paulo Marcon, afirmou aoG1 que o efetivo foi recebido de forma hostil e reagiu após sofrer retaliação.




Em Brasília, o ministro da Justiça disse que, caso fique provado que houve "abuso" durante a reintegração de posse da fazenda ocupada, que fica em Sidrolândia (70 km de Campo Grande), "medidas cabíveis" serão tomadas pelo governo federal.

"Se, no cumprimento da obrigação, houve abuso tomaremos as medidas cabíveis em relação ao caso. No mais, é importante afirmar que, nessa região, e em outras também, há um forte conflito em relação as terras indígenas. É dever constitucional do governo fazer a demarcação, e assim termos feito buscando a tranquilidade e o respeito aos povos indigenas", acrescentou o ministro da Justiça.

O ministro declarou ainda que ordens judiciais, como a de reintegração de posse executada hoje, têm de ser cumpridas. Entretanto, esclareceu que a orientação do governo federal para suas forças policiais é que evitem, "ao máximo", o uso da violência. "Essa é nossa orientação", disse ele.

Segundo o ministro da Justiça, o inquérito policial tem um prazo de 30 dias para ser concluído, mas que podem haver prorrogações neste prazo. "A determinação que demos à Polícia Federal é que façamos uma investigação rigorosa, mas o mais rapido possível. Quanto antes se verificar o que aconteceu, é melhor para a sociedade brasileira", disse ele.

De acordo com Cardozo, um princípio que deve governar as ações da polícia é da "proporcionalidade". "Deve usar a força na proporção exata para o cumprimento da lei. Não posso usar meios mais intensos. Nossa ordem vai nessa linha. Nunca usar uma situação de violência além daquilo necessário para o cumprimento da lei. Se houver violência, ou abuso que policial fez, preciso ter apuração rigorosíssima dos fatos. Neste momento, ter uma avaliação qualquer, eu seria absolutamente leviano", declarou ele.
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Briga judicial

A fazenda Buriti foi ocupada pelos índios no último dia 15 de maio. Os terena também chegaram a entrar em outras três propriedades, já desocupadas. Um mandado de reintegração de posse para a Buriti foi expedido pela Justiça no mesmo dia da invasão, mas foi suspenso no último dia 20 em razão da reunião de conciliação que já estava marcada para quarta-feira (29). Não houve acordo e a Justiça determinou, então, que a desocupação fosse imediata.

A Terra Indígena Buriti foi reconhecida em 2010 pelo Ministério da Justiça como de posse permanente dos índios da etnia terena. A área, localizada entre Dois Irmãos do Buriti e Sidrolândia, foi delimitada em portaria publicada no Diário Oficial da União (DOU) e abrange 17.200 hectares.

Após a declaração, o processo segue para a Casa Civil, para a homologação da presidência da República, o que ainda não foi feito. Durante nove anos, as comunidades indígenas aguardaram a expedição da portaria declaratória. O relatório de identificação da área foi aprovado em 2001 pela presidência da Funai, mas decisões judiciais suspenderam o curso do procedimento demarcatório.

Em 2004, a Justiça Federal declarou, em primeira instância, que as terras pertenciam aos produtores rurais. A Funai e o Ministério Público Federal recorreram e, em 2006, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) modificou a primeira decisão e declarou a área como de ocupação tradicional indígena.

No entanto, os produtores rurais entraram com recurso de embargos de infringentes e conseguiram decisão favorável em junho de 2012. Segundo a Funai, os indígenas reivindicam aceleração do processo de demarcação e não querem deixar o local.

Belo Monte

Questionado sobre os índios continuam ocupando um dos três canteiros de obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará, o ministro disse que no fim da tarde desta quinta-feira (30), a informação é que a situação "deixou de ficar tão tensa, embora não tenha sido resolvida".

"Houve uma ameaça dos indígenas de atear fogo a escritórios. Dei uma determinação clara à Força Nacional para que não se permitisse fazer isso. Para conter sem uso da violencia. Para que agisse com determinação, mas sem violência e as polícias sabem fazer isso. Nossos interlocutores continuaram a dialogar com os manifestantes que estão ocupando a área de Belo Monte", declarou ele.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - As questões indígenas sempre são polêmicas diante da indecisão e das omissões das autoridades competentes para tratar do assunto. Sobra para a PF atuar nas consequência desta "omissão", ficando a mercê da reação, do conflito e problemas colaterais.