DIÁRIO DA MANHÃ, 28/08/2014
Redação Passo Fundo
Foto: Arquivo DM
Costumes, dogmas e construções culturais restritas a determinados grupos sociais, costumeiramente, não são analisadas sob a ótica jurídica ou não têm expressão suficientes para embasar decisões em tribunais brasileiros. O juiz da 2ª Vara Criminal do Fórum da Comarca de Passo Fundo, Orlando Faccini Neto, porém, fez uma leitura diferente de um caso de tortura denunciado pelo Ministério Público em 2010. Em sua sentença, o magistrado, que também esta a frente da direção do Fórum local, inocentou três índios caingangues das acusações de tortura contra uma mulher da mesma tribo, expulsa do acampamento indígena situado no município de Mato Castelhano, distante cerca de 20 quilômetros de Passo Fundo.
Na apuração dos fatos levados ao Judiciário, o Ministério Público (MP) denunciou que os três homens acorrentaram a mulher a um tronco de árvore durante cerca de quatro horas e a ameaçaram, fisica e mentalmente. De acordo com as acusações do MP, o cacique da tribo, fixada às margens da BR 285, aplicou o castigo pessoal, de caráter preventivo e cunho considerado intimidatório, com o auxílio dos outros dois índios, por ter considerado ofensiva a posição da mulher, que defendeu o direito de sua filha e genro mudar de acampamento indígena. “[...] o cacique, após discussão com a ofendida, indígena sob seu poder e autoridade, puxou-a para fora de casa, arrastando-a por cerca de 100 metros até um campo, localizado em frente à sua residência, onde acorrentou a vítima em um tronco. A mulher, que estava grávida no momento do fato, ficou por cerca de quatro horas acorrentada, tendo sido agredida pelo irmão e o cunhado do cacique com socos e “apertões”, além de ter sido ameaçada e injuriada pelos réus. Depois disso, ela foi solta e expulsa do acampamento”, relata o texto da sentença, proferida na quinta-feira (21).
O caso chamou a atenção do MP, que ofereceu a denúncia de tortura em 2012, pedindo a condenação dos envolvidos. À época, a Defesa dos acusados alegou que os índios não tiveram a intenção de lesar ou “causar maldades” à mulher e que o ato devia ser visto como uma prática cultural comum aos costumes da tribo, não podendo ser encarado como violência em função da medida de castigo adotada e executada compor o conjunto de regras e leis específicas do acampamento, sendo de conhecimento de todos os índios que ali viviam.
Respeito ao conjunto de regras internas
Costumes, dogmas e construções culturais restritas a determinados grupos sociais, costumeiramente, não são analisadas sob a ótica jurídica ou não têm expressão suficientes para embasar decisões em tribunais brasileiros. O juiz da 2ª Vara Criminal do Fórum da Comarca de Passo Fundo, Orlando Faccini Neto, porém, fez uma leitura diferente de um caso de tortura denunciado pelo Ministério Público em 2010. Em sua sentença, o magistrado, que também esta a frente da direção do Fórum local, inocentou três índios caingangues das acusações de tortura contra uma mulher da mesma tribo, expulsa do acampamento indígena situado no município de Mato Castelhano, distante cerca de 20 quilômetros de Passo Fundo.
Na apuração dos fatos levados ao Judiciário, o Ministério Público (MP) denunciou que os três homens acorrentaram a mulher a um tronco de árvore durante cerca de quatro horas e a ameaçaram, fisica e mentalmente. De acordo com as acusações do MP, o cacique da tribo, fixada às margens da BR 285, aplicou o castigo pessoal, de caráter preventivo e cunho considerado intimidatório, com o auxílio dos outros dois índios, por ter considerado ofensiva a posição da mulher, que defendeu o direito de sua filha e genro mudar de acampamento indígena. “[...] o cacique, após discussão com a ofendida, indígena sob seu poder e autoridade, puxou-a para fora de casa, arrastando-a por cerca de 100 metros até um campo, localizado em frente à sua residência, onde acorrentou a vítima em um tronco. A mulher, que estava grávida no momento do fato, ficou por cerca de quatro horas acorrentada, tendo sido agredida pelo irmão e o cunhado do cacique com socos e “apertões”, além de ter sido ameaçada e injuriada pelos réus. Depois disso, ela foi solta e expulsa do acampamento”, relata o texto da sentença, proferida na quinta-feira (21).
O caso chamou a atenção do MP, que ofereceu a denúncia de tortura em 2012, pedindo a condenação dos envolvidos. À época, a Defesa dos acusados alegou que os índios não tiveram a intenção de lesar ou “causar maldades” à mulher e que o ato devia ser visto como uma prática cultural comum aos costumes da tribo, não podendo ser encarado como violência em função da medida de castigo adotada e executada compor o conjunto de regras e leis específicas do acampamento, sendo de conhecimento de todos os índios que ali viviam.
Respeito ao conjunto de regras internas
Respaldados por uma série de normas e deliberações próprias, compiladas no Estatuto dos Índios, as populações indígenas residentes em acampamentos e tribos presentes em todos os Estados brasileiros respeitam ordenamento próprios de sua cultura, distinguindo-se por região de inserção social e origem familiar. Para o magistrado passo-fundense que decidiu por inocentá-los da acusação de tortura, o aspecto da defesa cultural é o que prevaleceu na questão. “A solução para o caso é absolver os réus. As marcas em ambos os braços não podem ser traduzidas como intenso sofrimento físico. E nada veio a demonstrar que a vítima tenha sido submetida a intenso sofrimento mental, o que descaracteriza o crime de tortura descrito na denúncia”, argumentou Faccini Neto.
Ainda conforme o juiz da 2ª Vara Criminal do Fórum da Comarca de Passo Fundo, as medidas tomadas pelos caingangues fazem parte da cultura indígena, como, por exemplo, o ato de amarrar alguém a um tronco por horas a fio como forma de mostrar que foram cometidas infrações às normas internas da tribo. “Fato é que a mulher, grávida, foi amarrada a um tronco de árvore e ali ficou por algumas horas. Não sem motivos, pois a vítima teria 'desacatado' o cacique e as lideranças da tribo”, definiu o magistrado, reiterando que sob o fundamento da defesa cultural, isto é, do argumento de seguir as regras de sua própria cultura, a proteção jurídica que beneficiaria alguns, não alcançaria membros de outra comunidade, de maneira a afrontar-se o princípio da igualdade. “Na espécie, o instrumento que lesou e, de certa forma, restringiu a liberdade da vítima, era o meio ao alcance dos acusados, representantes legítimos daquele grupo indígena, de corrigir o comportamento do membro, para eles, infrator”.
Casos diferentes
A cultura e os costumes de um grupo, contudo, não podem ser todos descaracterizados de punição judicial, como observou o magistrado passo-fundense, apontando que o direcionamento da medida aplicada pelo cacique não infringia os direitos da vítima enquanto mulher, o que difere-se, por exemplo, conforme explicou Neto, da prática de certos grupos culturais que mutilam e violam o clitóris feminino, reduzindo a dignidade do indivíduo. “[...] o que não aconteceu no caso sob julgamento, em que a punição era prevista para a generalidade dos membros da tribo, inclusive em documento que era do conhecimento de todos. Nesta análise, não haveria outra forma de assegurar o caráter de prevenção negativa e de afirmação da vigência das normas internas da tribo, exceto do modo como a medida adotada representou. O castigo, neste caso, não partiu de uma demonstração pura e simples da autoridade do cacique, senão de um processo que se poderia reconhecer como democrático, com a finalidade primeira de reeducar índios problemáticos”, encerrou Orlando Faccini Neto.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Com todo o respeito ao magistrado, nesta linha de argumento, os indígenas que eram canibais podem matar um ser humano e se alimentar dele que ficarão impunes, já que faz parte da cultura deles. Que eu saiba, os indígenas civilizados devem seguir as leis brasileiras. Porém, como convivemos uma justiça onde a cabeça do juiz dita a lei, nada surpreende.