quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

LÍDER INDÍGENA É MORTO A FACADAS



Líder Guarani-Kaiowá é morto a facadas no Mato Grosso do Sul. Segundo Conselho Indigenista Missionário, ele foi assassinado a caminho de casa

MARCELLE RIBEIRO
O GLOBO
Atualizado:4/12/13 - 14h23

Ambrósio Vilhalva em 2008, no Festival de Veneza, onde o filme 'Terra vermelha' foi exibido. O documentário mostrava a luta dos índios Guarani-Kaiowá para retomar a terra de seus ancestrais DAMIEN MEYER / AFP


SÃO PAULO - O líder indígena Ambrósio Vilhalva, da etnia Guarani-Kaiowá no acampamento Guyraroká, na cidade de Caarapó, em Mato Grosso do Sul, foi morto a facadas na noite do último domingo, segundo o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), órgão da Igreja Católica vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). De acordo com o CIMI, ele foi assassinado a caminho de casa, na própria aldeia em que vivia.

Em 2008, o líder foi um dos protagonistas do filme “Terra Vermelha”, co-produção italiana e brasileira, que conta a história de uma tentativa da tribo Guarani-Kaiowá de retomar a terra de seus ancestrais, vizinha a fazendas.O CIMI afirma que, de acordo com informações preliminares, Vilhalva pode ter sido morto por outro índio.

De acordo com o CIMI, nos seus últimos dias de vida, Vilhalva vinha bebendo muito e tinha comportamento hostil com os indígenas da aldeia. Segundo o conselho, o uso compulsivo de bebidas e o suicídio têm se tornado comum entre comunidades indígenas no país.

‘Estamos bravos. Assim eles vão nos matar’, diz liderança Awá. Após vencer a desconfiança dos índios, ouve-se o desabafo: ‘Quero ficar na minha casa’

MÍRIAM LEITÃO, COM FOTOS DE SEBASTIÃO SALGADO
O GLOBO
Atualizado:4/08/13 - 10h12


O jovem guerreiro Jui´i ao lado de sua esposa. ‘Eles têm força, mas nós tem coragem também’ © Sebastião Salgado/Amazonas Images / O Globo


ALDEIA JURITI, TERRA AWÁ, MARANHÃO - Os índios chegaram, alguns vestidos só com seus adornos e carregando arco e flecha, e ficaram em pé em frente à casa. Muitos estavam gripados. Nós nos aproximamos e Sebastião Salgado tentou explicar, com a ajuda de Patriolino, coordenador do posto da Funai no Juriti, e José Pedro, outro sertanista, que falam um pouco de Guajá, por que estávamos lá. Falei também. Disse que escreveria para outros saberem o que acontecia. Era o começo do segundo dia, e a nossa chance de quebrar o gelo. Eles ficaram em silêncio quando paramos de falar. Depois, Piraíma’á começou a falar, e sua voz foi se elevando, eloquente. Depois, seu filho, Jui’í falou. O resto da tribo repetia algumas frases. Tudo foi traduzido depois por Uirá Garcia. O antropólogo não havia chegado, mas lhe enviei arquivo sonoro.

Trechos dos discursos são suficientes para se entender o que sentem:

— Estamos bravos com os brancos (não indígenas). Eles estão na floresta e isso me deixa realmente zangado. Por que eles estão tirando as árvores? Eles mexem na mata, aqui, ali, em todo lugar. Os madeireiros fazem isso. Assim eles vão nos matar, vão matar meus filhos. Assim os madeireiros vão matar todos os nossos parentes. A casa dos brancos já está toda desmatada. A minha casa é a floresta. Quero ficar na minha casa. Na floresta. É dela que eu vivo, e lá eu vou andar, vou caçar e pescar. Eles, os madeireiros, estão matando as árvores, estão matando os Awá.

A voz de Piraíma’á subia de tom, quase aos gritos, às vezes. De vez em quando, ouvia-se uma única palavra em português: “madeireiro”. Era possível se emocionar, mesmo sem saber a língua. Os outros índios, às vezes, se levantavam, inquietos. Depois ouviam em silêncio. Piraíma’á continuou:

— A minha área está cheia de fazendas de gado. Os madeireiros estão matando as árvores. Uma árvore dura, muito dura e grande, e eles conseguem derrubar. Eu vou enfrentar esses brancos madeireiros. Eu tenho coragem. Estou aqui e vou brigar com eles. A minha casa é aqui, a casa dos brancos é bem longe. É na cidade. A minha casa é aqui na floresta. Eu tenho coragem. Vou resistir. Eu não tenho medo, não.

Ele ficou em silêncio, os demais índios, quietos. Juí’í saiu, tirou as roupas que usava, voltou apenas com adornos da tribo e se sentou ao lado do pai e da mãe. Eles não têm um chefe, mas Piraima’á é a liderança mais forte. Seu filho é o líder dos jovens. E Juí’í começou a falar:

—Eu sou Awá-guajá. Não sou outro tipo de índio, não. Há outros parecidos com os brancos, ficam perto dos brancos. Eu sou da floresta mesmo. Eu fico na floresta. A floresta me dá minha comida. Pergunto para o meu irmão: irmão, por que os brancos não param de matar as árvores? Eles têm lanterna, munição, espingardas. Eu não tenho nada. Eu sou Awá-guajá de verdade. Agora na seca, a floresta está cheia de madeireiros. Eles ficam na floresta. Eles matam as árvores e vendem elas. Eu não tenho medo, vou ficar.

Ao fim, Sebastião falou suavemente. Agradeceu e contou que ficaríamos com eles, que iríamos para a floresta com eles. Pediu que nos mostrassem a mata, as belezas, os perigos. Principalmente, que mostrassem quem eram eles.

— Queremos saber o que é ser Awá. Povo bonito sô, povo bravo. Queremos ver isso. Por favor nos mostrem — disse ele. E foi traduzido.

Eles nos olharam intensamente e saíram. Ficamos sem saber se aquilo era uma concordância. Os dias mostraram que sim. Saímos primeiro com as crianças. Elas exibiram suas brincadeiras no Rio Caru. Durante duas horas, brincaram e Sebastião fotografou com paciência, cantando, baixinho, velhas músicas brasileiras. “Meu primeiro amor, foi como uma flor que desabrochou...” Ele canta para se concentrar.

O barulho da mata, a algazarra das crianças, uma índia que pescava do outro lado com seus filhos, a chegada de Amerytxiá, saindo do meio da floresta com seu cajado, foram acentuando a magia do momento e confirmando o cenário de um paraíso, que sabíamos estar sitiado.

No outro dia, fomos numa caminhada com os homens na mata. Eles reduziram o ritmo em que andam, mas para nós era um passo exigente. Os sons das araras e outros pássaros, eles usando só seus adornos, aquela caminhada batida, as árvores altas da floresta, tudo nos levava para o mundo deles. Houve um dia em que os jovens e crianças apareceram na casa da Funai. A maioria só olhou e sorriu, falando uma ou outra palavra. Pedi a Jui’í uma conversa longa e gravada, em português. Ele concordou e voltou a falar que os madeireiros estavam em todos os lugares. Primeiro, chegam os motoqueiros e marcam as árvores; depois, vêm os que cortam.

—Eu vi madeireiro. Eu estava escondido. Madeireiro tem arma pesada mesmo. É perigoso mesmo. Eles têm força, mas nós tem coragem também. Tem zoada de trator aí dentro, na cabeceira da Água Preta tem muita madeira marcada. Eu estou escutando zoada de trator.

Perguntei o que queria para o filho dele, que está para nascer. Ele disse que apenas a terra e a floresta. Ele é um dos poucos que já saiu de lá. Fez uma viagem para outra aldeia Awá para procurar alguma moça para casar. Achou Xikapiõ, nome de passarinho, e a trouxe com a mãe viúva e um irmão. Viajou uma vez com a Funai para Brasília. E tudo o que se lembrou, quando perguntei se tinha achado a cidade bonita, é que viu muita madeira na estrada. Jui’í me contou da sua vida e crenças. Disse que seu segundo pai é Uirahó. Entre eles formam-se duplas de amigos de infância que compartilham tudo, e um vira o segundo pai dos filhos do outro.

Tropas do Exército desembarcam na reserva

Não conseguiu me dizer em que idade eles viram guerreiros (Quando fica bravo, é guerreiro”). Cantou a música que o jovem guerreiro canta antes da primeira caça. O canto é para “subir ao céu” e pedir ajuda para achar a caça. Ele contou de um jeito engraçado a conversa com o ser celestial, que chamou de Tupã. Achou que eu não entenderia a ideia dos Karauaras.

— Nós fala: rapaz bota aí uma anta, bota animal para nós. A criança está chorando. E ele responde: ah, pois está, vou liberar um para vocês.

Ele contou que a caça está assustada por causa do barulho dos tratores, dos cortes de madeira, e está mais difícil caçar. Contou também que, de vez em quando, ouvem reprimenda no céu.

— Eles dizem: rapaz, tu é ruim demais. Deixa madeireiro entrar na tua área e roubar madeira. Aí, nasce filhotinho e morre tudo de fome.

Sebastião ficou mais duas semanas. Foi para dentro da mata e passou dias e noites com eles, vivendo com eles, da maneira tradicional. Voltou convencido dos riscos que correm:

— Eles são o povo mais ameaçado. Andei com eles, vi o sofrimento deles vendo as árvores marcadas, ou derrubadas.

Na semana seguinte, o Exército chegou lá com tropas, armas, blindados, parte de uma operação com o Ibama: a Hileia Pátria, para combater desmatamento e implantação de maconha.

— A chegada do Exército mudou todos os dados da região. Chegaram com um aparato considerável. Eles têm 700 homens, uma enorme quantidade de caminhões, blindados e estão muito armados. Além do problema da madeira, estão combatendo as plantações de maconha em terra indígena e, em parte, nas terras dos Awá. Na floresta, quando você tira as toras, criam-se as condições ideais para plantar maconha — contou Sebastião, antes de voltar a Paris.

Foram dias intensos, em que vimos uma cultura indígena milagrosamente conservada, nos restos de uma floresta sitiada pelo crime, em que conversei com agentes da cadeia do desmatamento e com posseiros, em que o Exército desembarcou na área conflagrada. Vários funcionários da Funai que ficam lá já foram ameaçados de morte. Segundo Maria Augusta Assirati, a presidente interina da Funai, nos próximos meses será feita a “desintrusão”. O chefe dessa operação de desocupação, Hélio Sotero, acha que a tensão aumentará:

—O momento mais tenso foi o da construção da Base de Proteção e Controle de Acesso ( o galpão onde dormimos antes de chegar à aldeia). Mas em agosto os trabalhos de retirada começarão. A partir daí, só Deus sabe.

INDIOS CERCAM PLANALTO E ENTRAM EM CONFRONTO COM SEGURANÇAS

CORREIO DO POVO 04/12/2013 12:45

AGENCIA BRASIL

Grupo protesta contra "inviabilização da demarcação de terras indígenas"



Índios cercam Planalto e entram em confronto com seguranças
Crédito: Antonio Cruz/Agência Brasil/CP


Depois de cercarem o Palácio do Planalto, em Brasília, nesta quarta, cerca de 1,2 mil índios de várias etnias estão neste momento divididos em manifestações no Congresso Nacional e diante do Ministério da Justiça. O grupo protesta contra o que classifica como mais uma iniciativa do governo federal para inviabilizar a demarcação de terras indígenas. A presidente Dilma Rousseff não estava no local.

Durante o protesto, os índios chegaram a entrar em conflito com seguranças do Palácio do Planalto e a fechar o trânsito em vários trechos da Esplanada dos Ministérios. O estopim da manifestação foi a minuta (esboço) de uma portaria que, segundo as lideranças indígenas, o Ministério da Justiça está produzindo. Representantes do movimento dizem ter tido acesso à cópia do documento no último final de semana. Segundo Sônia Guajajara, uma das coordenadoras da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o texto estabelece mudanças nos procedimentos legais necessários ao reconhecimento e à demarcação de terras indígenas.

A proposta, ainda segundo Sônia, visa a oficializar a proposta do governo federal de que outros órgãos de governo além da Fundação Nacional do Índio (Funai) sejam consultados sobre os processos demarcatórios em curso. A proposta foi apresentada pela ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, ainda no primeiro semestre deste ano, com a justificativa de minimizar conflitos entre índios e produtores rurais.

“A gente entende que a minuta servirá só para dificultar ainda mais o processo de identificação e demarcação de terras. O governo federal e o Congresso Nacional estão aliados para atacar e diminuir os direitos indígenas, principalmente os territoriais, favorecendo o agronegócio e o latifúndio”, disse Sônia Guajajara, adiantando que o grupo quer ouvir o ministro José Eduardo Cardozo sobre o assunto.

“Há um momento em que as autoridades, e o ministro da Justiça, principalmente, têm que se posicionar e atuar para que os direitos sejam cumpridos, para implementar o que já é garantido constitucionalmente, e não adiar ainda mais isso. O efeito da demora na demarcação de novas terras indígenas é tensionar ainda mais a situação. O governo e o ministro pensam que estão mediando, apaziguando as tensões, mas os conflitos só vêm aumentando”, acrescentou Sônia.

Portas foram fechadas no Planalto

Ao perceber a chegada dos índios, seguranças fecharam todas as portas de acesso ao Palácio do Planalto. Os índios rodearam o edifício e tentaram passar pela entrada lateral. Fazendo barulho e carregando faixas com pedidos de “demarcação de terra urgente”, alguns manifestantes forçaram a passagem, entrando em confronto com a segurança. Alguns seguranças chegaram a usar spray de pimenta para dispersar o grupo.

Após cerca de meia hora no local, parte do grupo seguiu para o Congresso Nacional. Outra parte se reuniu diante do Ministério da Justiça, impedindo o acesso dos servidores que chegavam. Policiais militares reforçam a segurança do local. Representantes do ministério estão negociando com os líderes do protesto. Segundo a assessoria do ministro José Eduardo Cardozo, ele pretende receber uma delegação indígena para discutir o tema.

Além de criticar a minuta, os índios também cobram a apuração de crimes contra os povos indígenas, como o assassinato do cacique Ambrósio Vilhalba, da Aldeia Guarani-Kaiowá Guyraroká, em Cristalina (MS). Vilhalba foi encontrado morto segunda. A Polícia Civil deteve dois suspeitos e investiga se a morte foi consequência de rixas entre o cacique e outras lideranças da aldeia.

“O governo deve deixar de promessas e cumprir o que prometeu para nós. Hoje você vê o povo indígena lá em Mato Grosso do Sul sendo assassinado por fazendeiros, por grandes pecuaristas, que querem tomar a terra do índio. Queremos demarcação de terras urgente. Não dá mais para aguentar. Também queremos direito à saúde e à educação. E respeito ao povo indígena”, disse o índio kinikinau, de Mato Grosso do Sul, Nicolau Flores.