quinta-feira, 18 de setembro de 2014

CONFLITO AGRÁRIO EM ERVAL GRANDE NO RS

 

ZH 18 de setembro de 2014 | N° 17926

CARLOS WAGNER


 PASSO FUNDO - Agricultores teriam despejado índios em frente à Funai



Agricultores de Erval Grande, cidade agrícola de 5,2 mil moradores no norte do Estado, teriam retirado, na manhã de ontem, um grupo de índios que ocupava a beira de uma estrada no município e os levado até o prédio da Fundação Nacional de Apoio ao Índio (Funai), em Passo Fundo, dentro de um caminhão.

Em frente ao prédio, os dois grupos teriam entrado em confronto. A situação foi controlada por patrulha do 3º Regimento de Polícia Montada (3º RPMon), que faz a segurança da região.

À tarde, por volta das 15h, teve início uma reunião entre líderes dos índios, dos agricultores, representantes da Funai e oficiais da 3º RPMon na sede da Polícia Federal, com o objetivo de encontrar uma saída pacífica para o problema.

– A situação está mais calma – relatou um oficial do 3º RPMon.

Esse conflito faz parte de uma disputa agrária entre indígenas e agricultores que se arrasta por mais de duas décadas no Rio Grande do Sul.

Atualmente, existem 30 focos de disputa, que envolvem 10 mil índios e mais de mil famílias de agricultores, a maioria, pequenos proprietários.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

CONFLITO NA SELVA


ZERO HORA 05 de setembro de 2014 | N° 17913


Fotos mostram ataque indígena

Exploração ilegal de madeira causou reação violenta de tribos, que se uniram em represália



Fazendeiros amarrados e um caminhão em chamas no meio da selva, no Maranhão, compõem o cenário de um conjunto de imagens revelado ontem pelo fotógrafo Lunaé Parracho, da agência Reuters.

Os flagrantes foram feitos em 7 de agosto, quando membros da tribo dos Caapores (ou Ka’apor, como também são chamados) capturaram e agrediram madeireiros da Terra Indígena Alto Turiaçu, perto de Centro de Guilherme.

Conforme declaração do fotógrafo à Reuters, os índios pediram ajuda ao governo para combater a exploração ilegal de madeira na área, mas cansaram de esperar. Em protesto, teriam decidido agir por conta própria, unindo-se a outras quatro tribos em uma expedição para expulsar os desmatadores.

Acampamentos foram destruídos e fazendeiros foram perseguidos e rendidos. Nas fotografias, alguns aparecem seminus, sob a mira de armas. A Fundação Nacional do Índio (Funai) afirmou que ações contra os madeireiros ilegais têm sido comuns naquela região e o apoio da polícia já foi solicitado.

Segundo Parracho, os índios pretendem continuar monitorando a exploração ilegal de madeira


quinta-feira, 28 de agosto de 2014

ASPECTOS CULTURAIS GARANTEM ABSOLVIÇÃO DE INDÍGENAS ACUSADOS DE TORTURA

DIÁRIO DA MANHÃ, 28/08/2014

 Redação Passo Fundo


Foto: Arquivo DM



Costumes, dogmas e construções culturais restritas a determinados grupos sociais, costumeiramente, não são analisadas sob a ótica jurídica ou não têm expressão suficientes para embasar decisões em tribunais brasileiros. O juiz da 2ª Vara Criminal do Fórum da Comarca de Passo Fundo, Orlando Faccini Neto, porém, fez uma leitura diferente de um caso de tortura denunciado pelo Ministério Público em 2010. Em sua sentença, o magistrado, que também esta a frente da direção do Fórum local, inocentou três índios caingangues das acusações de tortura contra uma mulher da mesma tribo, expulsa do acampamento indígena situado no município de Mato Castelhano, distante cerca de 20 quilômetros de Passo Fundo.

Na apuração dos fatos levados ao Judiciário, o Ministério Público (MP) denunciou que os três homens acorrentaram a mulher a um tronco de árvore durante cerca de quatro horas e a ameaçaram, fisica e mentalmente. De acordo com as acusações do MP, o cacique da tribo, fixada às margens da BR 285, aplicou o castigo pessoal, de caráter preventivo e cunho considerado intimidatório, com o auxílio dos outros dois índios, por ter considerado ofensiva a posição da mulher, que defendeu o direito de sua filha e genro mudar de acampamento indígena. “[...] o cacique, após discussão com a ofendida, indígena sob seu poder e autoridade, puxou-a para fora de casa, arrastando-a por cerca de 100 metros até um campo, localizado em frente à sua residência, onde acorrentou a vítima em um tronco. A mulher, que estava grávida no momento do fato, ficou por cerca de quatro horas acorrentada, tendo sido agredida pelo irmão e o cunhado do cacique com socos e “apertões”, além de ter sido ameaçada e injuriada pelos réus. Depois disso, ela foi solta e expulsa do acampamento”, relata o texto da sentença, proferida na quinta-feira (21).

O caso chamou a atenção do MP, que ofereceu a denúncia de tortura em 2012, pedindo a condenação dos envolvidos. À época, a Defesa dos acusados alegou que os índios não tiveram a intenção de lesar ou “causar maldades” à mulher e que o ato devia ser visto como uma prática cultural comum aos costumes da tribo, não podendo ser encarado como violência em função da medida de castigo adotada e executada compor o conjunto de regras e leis específicas do acampamento, sendo de conhecimento de todos os índios que ali viviam.

Respeito ao conjunto de regras internas

Respaldados por uma série de normas e deliberações próprias, compiladas no Estatuto dos Índios, as populações indígenas residentes em acampamentos e tribos presentes em todos os Estados brasileiros respeitam ordenamento próprios de sua cultura, distinguindo-se por região de inserção social e origem familiar. Para o magistrado passo-fundense que decidiu por inocentá-los da acusação de tortura, o aspecto da defesa cultural é o que prevaleceu na questão. “A solução para o caso é absolver os réus. As marcas em ambos os braços não podem ser traduzidas como intenso sofrimento físico. E nada veio a demonstrar que a vítima tenha sido submetida a intenso sofrimento mental, o que descaracteriza o crime de tortura descrito na denúncia”, argumentou Faccini Neto.

Ainda conforme o juiz da 2ª Vara Criminal do Fórum da Comarca de Passo Fundo, as medidas tomadas pelos caingangues fazem parte da cultura indígena, como, por exemplo, o ato de amarrar alguém a um tronco por horas a fio como forma de mostrar que foram cometidas infrações às normas internas da tribo. “Fato é que a mulher, grávida, foi amarrada a um tronco de árvore e ali ficou por algumas horas. Não sem motivos, pois a vítima teria 'desacatado' o cacique e as lideranças da tribo”, definiu o magistrado, reiterando que sob o fundamento da defesa cultural, isto é, do argumento de seguir as regras de sua própria cultura, a proteção jurídica que beneficiaria alguns, não alcançaria membros de outra comunidade, de maneira a afrontar-se o princípio da igualdade. “Na espécie, o instrumento que lesou e, de certa forma, restringiu a liberdade da vítima, era o meio ao alcance dos acusados, representantes legítimos daquele grupo indígena, de corrigir o comportamento do membro, para eles, infrator”.

Casos diferentes

A cultura e os costumes de um grupo, contudo, não podem ser todos descaracterizados de punição judicial, como observou o magistrado passo-fundense, apontando que o direcionamento da medida aplicada pelo cacique não infringia os direitos da vítima enquanto mulher, o que difere-se, por exemplo, conforme explicou Neto, da prática de certos grupos culturais que mutilam e violam o clitóris feminino, reduzindo a dignidade do indivíduo. “[...] o que não aconteceu no caso sob julgamento, em que a punição era prevista para a generalidade dos membros da tribo, inclusive em documento que era do conhecimento de todos. Nesta análise, não haveria outra forma de assegurar o caráter de prevenção negativa e de afirmação da vigência das normas internas da tribo, exceto do modo como a medida adotada representou. O castigo, neste caso, não partiu de uma demonstração pura e simples da autoridade do cacique, senão de um processo que se poderia reconhecer como democrático, com a finalidade primeira de reeducar índios problemáticos”, encerrou Orlando Faccini Neto.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Com todo o respeito ao magistrado, nesta linha de argumento, os indígenas que eram canibais podem matar um ser humano e se alimentar dele que ficarão impunes, já que faz parte da cultura deles. Que eu saiba, os indígenas civilizados devem seguir as leis brasileiras. Porém, como convivemos uma justiça onde a cabeça do juiz dita a lei, nada surpreende.

domingo, 24 de agosto de 2014

INDÍGENAS DESARMAM, AGRIDEM E PRENDEM PMS EM IRAI-RS. DOIS ÍNDIOS FORAM BALEADOS

ZERO HORA 24/08/2014 | 00h37

Indígenas são baleados em confronto com BM em Iraí. Confusão teria começado após um grupo de índios ser parado em blitz com licenciamento de veículo vencido

por Felipe Luis da Costa


Dois índios foram baleados durante um confronto com a Brigada Militar (BM), na tarde deste sábado, em Iraí, no norte do Estado. Dois policiais militares foram desarmados e chegaram a ser levados pelos índios da reserva caingangue, conforme a BM.

Os PMs foram liberados e os indígenas só devolveram os armamentos, coletes à prova de balas e uma viatura pertencente ao 37º Batalhão da cidade no começo da noite, depois da garantia de que seria aberto um inquérito para apurar os motivos dos disparos.

O agente da Polícia Civil Pedro Evaldo Wink, responsável pelo caso, diz que foram registradas duas ocorrências pelos policiais militares envolvidos. Segundo as ocorrências, o conflito entre indígenas e PMs começou quando um grupo de indígenas teve seu veículo parado em uma blitz de fiscalização na Avenida Flores da Cunha. Quando avisados que o veículo seria recolhido por estar com o licenciamento vencido, eles teriam reunido um grupo maior que cercou dois policiais, que pediram reforço ao sargento da BM Alfredo Zankoski.

— Cheguei no exato momento da "pauleira". Cerca de 20 índios estavam agredindo os policiais — disse o sargento, que afirmou ter ajudado os dois policiais a fugir do local.

Celso Jacinto, assessor do cacique caingangue Jadir Jacinto, diz que a confusão foi gerada por abuso de poder e abordagem agressiva dos policiais. Ele afirma que o indígena Walter dos Santos, que estava no carro com a filha de oito anos e a mulher, teria levado uma coronhada. Com a reação de Santos, os policiais teriam disparado cinco tiros. O outro indígena baleado seria um adolescente, sobrinho do cacique.

Conforme uma das ocorrências, outro indígena teria pegado a viatura dos policiais e tentado atropelar um deles. Em torno de 20 minutos depois, um grupo de 50 indígenas foi até o Batalhão e desarmou outros dois policiais, que foram levados para a reserva indígena. Após a liberação dos PMs, intermediada por uma agente da Fundação Nacional do Índio (Funai), os indígenas retiveram armamentos, coletes à prova de balas e a viatura até o começo da noite de sábado.

— Não é de hoje que sofremos essas agressões. O cacique não conseguiu conter a revolta do pessoal. Nós só fizemos tudo isso para chamar a atenção das autoridades — afirmou Jacinto.

Walter dos Santos, um dos baleados, foi levado até o hospital de Erechim, onde está internado. O adolescente, que teria levado um tiro no joelho, foi socorrido no hospital Nossa Senhora Auxiliadora, em Iraí, e liberado.

sábado, 2 de agosto de 2014

BRIGA GENERALIZADA EM RESERVA DO RS

RADIO PLANALTO 02/08/2014 | 08:55

Divergências internas resultam em briga generalizada na reserva indígena de Charrua


Índios entraram em conflito na noite de quinta para sexta na reserva de Charrua. Diversas pessoas ficaram feridas e três casas foram queimadas. Um cacique teria prendido pelo menos 10 pessoas, entre elas crianças e adolescentes, na quinta-feira. O estopim ocorreu quando uma adolescente presa, com um filho no braço, teria sido espancada e a criança caiu ao solo, iniciando o conflito. As divergências resultam da atitude de um cacique que não quer realizar eleições para a escolha de nova liderança da tribo que tem 380 índios.

Um grupo de índios acabou acampando em um campo de futebol e outro, temendo represálias, invadiu as terras de um ex-prefeito ao lado da reserva. A reserva de Charrua tem seis mil hectares, ou seja, mais de 15 hectares para cada índio, e mesmo assim por falta de entendimento, há integrantes fora da aldeia.

Ontem, lideranças aguardavam a presença da Funai para organizar uma reunião, mas ninguém compareceu. O que chama a atenção também é que a polícia, tanto militar como federal, não entraram na reserva apesar da briga e do incêndio das casas.

domingo, 29 de junho de 2014

TERRAS DEMARCADAS NA MIRA DE BRASILIA


Sinal de alerta: terras demarcadas na mira de Brasília. População ianomâmi no país foi reduzida a 20% desde o contato no fim do século XIX

POR ARNALDO BLOCH E SEBASTIÃO SALGADO
O GLOBO 29/06/2014 10:23


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Desde o contato no fim do século XIX a população ianomâmi no país foi reduzida a 20%, segundo indigenistas e antropólogos, o Instituto Socioambiental (ISA) e a Frente de Proteção Ianomâmi, ligada à Funai. Hoje, são 23 mil, dos 40 mil no Brasil e na Venezuela — a maior população humana em alto grau de isolamento na mais extensa área indígena no planeta na floresta tropical.

O massacre também atingiu sua terra, riquíssima em reservas minerais, invadida, na década de 1980, pelo garimpo e por mineradoras, numa corrida do ouro estimulada pelo presidente da Funai à época, o hoje senador Romero Jucá (PMDB/RR). O número de garimpeiros chegou a ser cinco vezes o de ianomâmis. O reconhecimento, em 1992, dos 9,6 milhões de hectares, maior área demarcada do Brasil, de alta relevância para a proteção da biodiversidade amazônica, estancou a sangria.

Recentemente, com a alta de 100% no preço do metal, uma nova corrida se iniciou, mas o complexo foi desbaratado em operações da Funai com o Exército e a Polícia Militar, que retiraram 1.500 garimpeiros, explodiram 22 pistas e afundaram 84 balsas. Sucateada, com orçamento reduzido (R$ 566 milhões para as 692 TIs no Brasil, ou 13% do território nacional) e vítima de interferências de outros órgãos, a Funai resiste como pode.

Mas a grande ameaça vem de Brasília: com projetos de construção de grandes hidrelétricas e novas rodovias (como a Usina Jirau e o reasfaltamento da BR 319, de Porto Velho a Manaus), o governo pode vir a promover uma exploração recorde dos recursos naturais da Amazônia.

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Paralelamente, 54,8% da superfície ianomâmi está requisitada por mineradoras, de olho no artigo 176 da Constituição, que libera a exploração com legislação específica. O que trouxe de volta o projeto de Lei 1610, proposto por Jucá em 1996, parado desde então após aprovação no Senado. Um substitutivo de 2012 em fase adiantada de tramitação tem por relator o deputado Édio Lopes, do mesmo PMDB/RR de Jucá, historicamente ligado ao garimpo.

A filha de Jucá é sócia majoritária da Boa Vista Mineração, que tem 90.000 hectares requeridos.

Além disso, tramita uma Proposta de Emenda à Constituição (a PEC 215), determinando a revisão das demarcações em aberto e das homologadas, o que vai contra a Constituição.

Por fim, o projeto do Novo Código de Mineração, de maioria ruralista, procura compensar as limitações impostas à contestada PL 1610 para incluir no documento as terras indígenas, o que é inconstitucional, segundo já afirmou e reiterou o ministério das Minas e Energia.

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A DIÁSPORA DE 13 TRIBOS NÔMADES EXPULSAS DA MONTANHA


Durante o funéreo do caçador, morte de um cão expõe crise de liderança


POR ARNALDO BLOCH E SEBASTIÃO SALGADO
O GLOBO 29/06/2014 8:26 


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Cercada de floresta fechada, a casa tem quatro portas, que apontam para as trilhas, que levam ao igarapé — onde se toma o banho diário —; à área de caça além do horizonte; aos leitos para pesca (praticada por homens e mulheres com plantas venenosas que tiram dos peixes o oxigênio e os fazem se multiplicar às margens); e às roças onde cultivam suas raízes, frutas e ervas encantadas.


Pela porta que leva ao roçado chega-se à casa de Lourival, que vive em retiro. Maior autoridade espiritual da aldeia, patriarca dos ali chegados, ele não foi a Watoriki nenhuma vez nos dias em que durou a festa. Era visto frequentemente caminhando pelas trilhas com alguma raiz à mão, ou em visitas ao posto da Funai, em seu traje característico: completamente nu, só o cipozinho amarrado à glande, e uma cartola de pierrô decorada com tarjas verdes e amarelas.

O suposto motivo corria à boca miúda: semanas antes, o cão de caça de seu genro, o chefe Davi Kopenawa, teria sido morto a facadas por um dos filhos de Lourival. Os cães comuns não gozam de reputação entre os aldeões e parecem até ter consciência disso, pois apresentam-se diariamente, de forma voluntária, para levar saraivadas na cabeça e se alimentam de restos de pupunha e ossos. Um bom cão de caça, contudo, é altamente respeitado e sua morte equivale à de um “parente”. A morte do cão de Davi tem, além disso, um agravante: remonta ao elo que permitiu a fundação de Watoriki, 25 anos atrás, como refúgio da diáspora de 13 tribos que viviam nas montanhas, dispersas pela expansão da fronteira branca e por conflitos com povos vizinhos (como os moxihatetea, até hoje isolados).

A articulação política fora arquitetada por Lourival e tivera Davi como pivô. Nascido nos anos 1950 no Alto Rio Toototobi (Amazonas) — a pouco mais de 300 quilômetros do leito do Uriracoera, onde, na ficção de Mário de Andrade, nasceu Macunaíma — Davi deixara suas terras após a morte da mãe, de um surto de sarampo trazido por missionários. Aprendeu português para ler a bíblia e acabou virando intérprete da Funai. Militava no Posto Demini, num acampamento abandonado da Camargo Corrêa, encarregada das obras da BR-120, a Perimetral Norte, interrompida depois de causar destruição e mortes (ainda se veem traços de tubulações e do chão tomado pela mata). A essa altura, o posto fazia manobras de atração. Líder de sua tribo, Lourival se deixou seduzir com intenção de encontrar uma brecha e ter acesso a medicamentos e a ferramentas.

Nos sonhos estranhos que Davi tinha, Lourival anteviu vocação xamanística e fez dele seu aprendiz, oferecendo-lhe uma das filhas em casamento. Como a relação sogro-genro é o suporte do modelo de autoridade ianomâmi, o casamento político esvaziou a força do chefe do posto, e Davi foi ao topo da administração regional. Numa cultura na qual o poder é compartilhado pelos chefes de família, em que crianças de cinco anos andam com facões sem serem incomodadas, não há ação coercitiva firme, a não ser quando algo extremamente grave ocorre. Não à toa, o suposto matador se encontrava em fuga na floresta.

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Cada vez mais requisitado por compromissos fora da aldeia, Davi perdeu poder local nos últimos anos. No meio da festa, um avião veio apanhá-lo para ir a Manaus e, dali, partir numa viagem de várias escalas até São Francisco, Califórnia, onde iria discursar num fórum da ONU. As lideranças emergentes, da geração do meio, formada por gente que ora serve à Funai, ora a ONGS ou órgãos ligados à saúde indígena — ou se formam como professores na cidade — é uma horda dividida.

Anselmo, que vive a maior parte do ano em Boavista e veio para a festa, vai ao roçado, no importante momento de se colher a mandioca para a confecção do biju, munido de um aparelho de MP3 que toca remixes indígenas e interfere nos sons ritualizados da colheita.

— Estou confuso — confessa. — Mas tenho certeza que ainda farei muito por este povo.

Os mais jovens, garotada que vai à cidade de barco e volta com espelhinhos, gel e o cabelo penteado à Neymar, consideram a reles calabresa trazida pelos visitantes como ouro, metáfora involuntária dos minerais que os brancos arrancaram da terra e que são protegidos pelos espíritos, por não constituírem alimento.

Em meio à confusão, só no último dia da festa, Lourival, que durante todo o período não se deixara fotografar, enfim apareceu na maloca para chorar, com os seus, a morte do jovem caçador, irmão menor de seu afilhado, Raimundo, órfão de pai e mãe, mortos de doença de branco, no tempo em que as 13 tribos vieram da montanha...

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IANOMÂNIS: A GUERRA DE UM POVO ENTRE A VIDA E A MORTE

O GLOBO 29/06/2014 8:15 


O grito dos irredutíveis de Watoriki, microcosmo da maior área indígena do país, sob ameaça

POR ARNALDO BLOCH E SEBASTIÃO SALGADO



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Março, 2014. Amazonas, divisa com Roraima, entre as bacias do Rio Negro e do Rio Branco. Ao entrar na casa-aldeia de Watoriki, convidados para testemunhar a festa fúnebre de reahu —, durante expedição às terras ianomâni organizada por Sebastião Salgado e acompanhada pelo GLOBO — somos saudados em coro.

— Awei napë pë kopema!

“Os brancos chegaram”, traduz o lendário Davi Kopenawa, chefe da aldeia. Mas, no vernáculo, napë é um ser incorpóreo, oposto deyanomam (ser humano). Ou, nos relatos dos anciãos “espectros calvos esbranquiçados vindos das costas do céu e subindo os rios para comer carne humana defumada como carne de macaco”.

Cansados de quatro horas num monomotor vindo de Manaus, fazemos a volta da maloca, saudando seus habitantes. Mas a marcha é refreada por uma visão: 60 cadáveres de macacos atados por cipó pendem em fogo baixo. De cócoras, os corpos familiares fazem pensar que os brancos poderiam estar ali: na trilha das missões e das comissões de limites, das estradas abertas pelo exército nos anos 1970 e da corrida do ouro na década seguinte, 80% dos ianomâmis morreram.

O pensamento sombrio é aplacado por sorrisos e mãos abertas dos mais velhos, nus; pelos meninos com pequenas flechas e os curumins carregados por jovens mães; pelo mirar tímido das mulheres de tanga, seios e nádegas à mostra; e pela cautela dos homens da nova geração, de bermudas (algumas com as cores do Brasil) e peito aberto pintado de jenipapo e carvão.

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Os duzentos quilos de macacos são apenas parte do rito que viemos testemunhar e, neste primeiro dia de exéquias — em honra de um morto cujo nome não se pronuncia — o sol é refletido pela parede lisa e úmida da Serra Demini, visível de qualquer ponto dos 80 metros de diâmetro da maloca. Coberta de palha e folhas, com uma praça de terra batida ao ar livre, lembra um estádio. No centro, sob efeito da yakuana, pó marrom feito de ráspas de árvores que dá acesso aos espíritos (os ianomâmis são donos de vasta etnobotânica e um menu de plantas mágicas, médicas, letais, afrodisíacas), Genésio, membro da elite de pajés, solta gritos que imitam as vozes dos animais, faz poses que emulam fantasmas de árvores e gestos que repetem as coreografias dos espíritos protetores e dos maléficos. Com espanto, aponta para a serra Demini, onde reside o vento, ou para o céu, pedindo que o firmamento não caia sobre urihi-a, a “terra-floresta” criada a partir de matéria amorfa. Tragédia que passa facilmente do símbolo milenar à realidade, na interpretação de Davi, que observa a cena.

— A terra não morre. Só a gente. A terra só morre se o branco destruir. O chão fica frio, as árvores secam e as pedras esquentam. Os xapiripë, espíritos da serra, não podem mais dançar e vão embora. Os espíritos ruins reinam e todos morrem.

Registrada no livro “La chute du ciel” (“A queda do céu") escrito pelo antropólogo francês Bruce Albert (maior estudioso dos ianomâmi) em parceria com Davi, a ideia de queda, que faz pensar nos irredutíveis gauleses de Asterix, afina-se com o discurso ambientalista, cada vez mais convergente com a cosmologia indígena.

Sob o céu que anoitece, os brancos se deitam cedo, em redes, entre famílias e “parentes” convidados para a festa, e curtem o breu que, numa aldeia sem luz elétrica, é permeado por lanterninhas e pequenas fogueiras que vão amenizar o frio da madrugada amazônica. Logo começam os discursos em yanomae, sobre os fatos do dia, a festa e o surto de gripe que ameaça duas anciãs e três crianças com pneumonia. Espirros, tosses agudas e gemidos de dor se alternarão, noite adentro, com roncos sobressaltados dos idosos.






Quando o dia nasce, o povo da aldeia já partiu à caça e à coleta de pupunha para fazer o “mingau”. Caçadores com arcos e flechas (e, raramente, espingarda) aventuram-se, usando as artes de imitar os animais, procurando seus alimentos típicos, seguindo seus rastros. Mais tarde chegarão com mutuns, e, nos dias seguintes, uma onça, um tatu, antas, porcões, cotias.

No posto da Funai, chefiado por Davi, enfermeiras e um médico cubano animados por um papagaio peripatético de asas cortadas que atende por Kiko (mas é fêmea), comunicam-se por rádio com a metrópole e outras comunidades. Parece que vai chegar remédio novo.

No fim da tarde, a pupunha macerada e misturada à água trazida pelas mulheres do igarapé onde todos se banham já fermenta em grandes galões. Nas franjas das telhas, secam os bijus de mandioca. Nesta madrugada, os brancos serão despertados por danças rituais, nas quais os homens e as mulheres marcham batendo os pés, em dezenas de voltas, enoando cantos polifônicos. Entre o fascínio e a insônia, os brancos experimentarão o banheiro reservado a eles. Contaminados pela alimentação da cidade e a corrupção da alma, os dejetos dos brancos são considerados impuros para a mata. Só à medida que a confiança mútua se estabelecer, os napë terão licença de usufruir das abluções in natura, segundo usos e costumes locais.

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No dia seguinte o mingau de pupunha ligeiramente fermentado repousa numa grande arca. Em cuias de coco, os participantes da festa recolhem o vinho alaranjado e oferecem uns aos outros em grande quantidade, para regurgitar. Então, recomeçam a beber. O ciclo se repete até que a arca se esvazie. Cercado de grande hilaridade, é um tipo de guerra satírica, no qual uns “matam” os outros mas a morte nunca chega, já que vão dormir exaustos, e dançar na noite seguinte, e, ao amanhecer, correr, de novo, para a arca.

A negação da morte é levada a sério, e só com muito esforço é possível descobrir o que aconteceu — já que, pelas regras, falar do morto é proibido. Seus objetos foram queimados, seu nome é proscrito, os fatos da morte não interessam. Mas, com o passar dos dias, a história por trás do luto vai se desvelando, em relatos curtos e pequenas catarses. Irmão caçula de Raimundo, chefe de família, um dos líderes locais, o jovem caçador morreu depois de matar um mutum azul. Ao subir a árvore para recuperar sua flecha, caiu de costas. Mortes assim, na mitologia ianomâmi, só ocorrem quando se mata o seu duplo animal. Daí a importância e a grandeza da festa.

Envolto numa espécie de rede feita de folhas de bananeira, o corpo foi suspenso entre duas árvores próximas ao igarapé, e assim ficou até poder ser descarnado, e seus ossos foram queimados, e suas cinzas guardadas nas urnas que ora aguardam o desenrolar da festa, na maloca sob a serra, no mesmo local onde os 60 macacos são assados, dia e noite, em fumaça lenta e persistente.

Só no último dia o povo terá a liberdade do pranto. Antes, pajés e visitantes soprarãoyakuana nas narinas. Alguns vão se unir em duplas e realizar o waymou, de diálogo arcaico, de metáforas entrelaçadas, em forma de desafio. No ápice da pajelança que envolve até crianças, estão todos atados ao que vem da montanha e do céu.

Então, os brancos são expulsos da maloca. As cinzas são enterradas ou guardadas por parentes.

E o pranto, ouvido do lado de fora, é tão intenso que parece que o céu caiu sobre a terra.

LEIA AMANHÃ: A expedição ao Pico da Neblina, montanha sagrada ianomâmi

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sábado, 14 de junho de 2014

O PARÁ FERVE

REVISTA VEJA, sábado, 14 de junho de 2014

Lauro Jardim Radar on-line

com Gabriel Mascarenhas e Thiago Prado



LAURO JARDIM

Os Xikrin ameaçam incendiar tudo

Um conflito entre índios e a Vale ferve a cidade de Ourilândia, no Pará, onde a maior mineradora do mundo tem uma unidade de extração de níquel desde 2005.

Desde a manhã de quinta-feira, cerca de 350 índios Xikrin do Cateté mantêm, em cárcere privado cinquenta empregados da Vale dentro da própria unidade.

Os índios ameaçam pôr fogo no local agora às 15 horas. O forno da unidade está sendo mantido ligado em potência mínima diante do risco de incêndio.

E o que os índios reivindicam? Dinheiro. A Vale contribui com 9 milhões de reais para as três aldeias dos Xikrin na região, mas eles exigem quatro vezes mais.

Também desde quinta-feira, o governo estadual e a Funai foram avisados do que estava acontecendo em Ourilândia. Talvez mais preocupados com a Copa, ninguém se mexeu.Por Lauro Jardim

quinta-feira, 29 de maio de 2014

ARCO E FLECHA, ARMA BRANCA OU SIMBOLO CULTURAL?


Instrumento de identidade indígena divide opiniões

ANDRÉ DE SOUZA E CHICO DE GOIS
CLEIDE CARVALHO E EDUARDO BARRETTO
WASHINGTON LUIZ
O GLOBO
Atualizado:28/05/14 - 23h24

Um índio aponta o arco e flecha durante a manifestação em Brasília: confronto com a polícia REUTERS/Joedson Alves


Representantes dos indígenas que participaram de um protesto anteontem em Brasília defenderam o uso do arco e flecha em manifestações. Para eles, os instrumentos devem ser encarados não como arma branca, mas dentro de um contexto cultural. A Polícia Militar (PM), por outro lado, manifestou que se trata, sim, de uma arma branca e que está à procura da pessoa que acertou uma flechada na perna de um policial. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, evitou a polêmica e limitou-se a dizer que cada caso deve ser analisado separadamente.

Ontem, o cacique Marcos Xukuru considerou o ato uma ação “natural” e afirmou que os indígenas vão continuar utilizando arco e flecha nas manifestações para realizarem rituais e se protegerem. Marcos disse que não conhece quem realizou o ataque, mas explicou que o índio utilizou a flecha por se sentir ameaçado pela cavalaria da PM. O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que presta assessoria aos índios, observou que o equipamento é utilizado não apenas para guerra ou ataque, mas para caça, pesca e rituais religiosos.

— Nós, indígenas, temos nosso modo de vida, nosso arco e flecha, nossa borduna, que serve para os nossos rituais. Aonde vamos levamos nossos instrumentos. Estávamos dançando, invocando nossos rituais. Os cavalos se assustaram, querendo cair no meio da pista, e de repente já vimos a fumaça das bombas da Tropa de Choque. Se um de nós se sente ameaçado, atacado pelo Estado, qual a reação? É uma reação natural — explicou o cacique.

O coronel Jailson Braz, chefe do Departamento Operacional da PM no DF e responsável pela segurança do protesto, tem opinião oposta:

— A flecha é uma arma branca, sim, pode matar, é proibida.

Na quarta-feira, o Cimi chegou a informar que os índios só podem ser detidos e interrogados pela Polícia Federal (PF). Também de acordo com o Cimi, só o Ministério Público Federal (MPF) poderia apresentar denúncias contra eles, e somente a Justiça Federal poderia julgar eventuais irregularidades ou crimes. A informação foi desmentida pela Fundação Nacional do Índio (Funai), que explicou que os indígenas respondem a processo como qualquer um. Segundo a Funai, desde a existência do Estatuto do Índio, de 1973, “a legislação deixou clara a possibilidade de prisão e encarceramento do índio, ainda que lhe confira um direito especial de semiliberdade”. Mas, para a Funai, o uso de arco e flecha, como de vestimentas e pinturas corporais, deve ser considerado como aspecto antropológico.

Ataque foi inusitado

Ela Wiecko, vice-procuradora-geral da República e coordenadora de um grupo de pesquisa na Universidade de Brasília (UnB) sobre direitos étnicos, corrobora a informação da Funai. Por outro lado, destaca que, no curso do processo criminal, é preciso levar em conta a cultura do índio:

— É uma pessoa como qualquer um de nós. Ele pensa, sente. Agora, naturalmente, ele tem a sua cultura. E mesmo com essa história de estar num carro, de ter uma carteira de identidade, de usar roupa, de andar de avião, isso não descaracteriza a pessoa de ser indígena.

O sociólogo da UnB Antônio Flávio Testa disse que a classificação do arco e flecha como arma branca é uma questão de interpretação:

— É um instrumento de caça, mas o facão também é ferramenta e pode ser visto como arma branca. Vai depender de como será o processo.

Maria Estela Grossi, também socióloga e integrante do Núcleo de Estudos de Violência e Segurança da UnB, disse que o arco e flecha tem um significado simbólico, mas que a polícia precisa se planejar para a presença de armas perigosas em manifestações:

— O ataque a flechas foi inusitado, mas tem um significado simbólico. A flecha é algo próprio do índio. A polícia não pode simplesmente responder violência com violência, com bombas, e também não pode permitir que armas passíveis de perigo sejam levadas para manifestações.

Para o antropólogo Stephen Baines, pesquisador da UnB, o arco e flecha não pode ser considerado arma branca, pois é usado como símbolo da identidade indígena, assim como cocares e pinturas de guerra. Segundo ele, a flecha deixou de ser vista pelos próprios índios como arma e hoje faz parte do reconhecimento de sua cultura:

— A flecha é usada apenas na caça de animais. Os índios têm consciência de que não adianta usar arco e flecha contra pessoas. Nas terras indígenas, utilizam armas de fogo para se proteger. Provavelmente, o disparo da flecha ocorreu num momento de susto diante da ação policial. Se quisessem agredir, os índios teriam levado espingardas.

‘Não é para ferir ninguém’

O cacique Marcos Xukuru, de Pernambuco, que estava na manifestação em Brasília, afirmou que o arco e a flecha fazem parte dos rituais:

— Não é para atacar ou ferir ninguém. Levamos também o maracá, que é usado nas festas indígenas. São coisas do nosso dia a dia, e faz parte da nossa cultura levá-las a outros ambientes.

Segundo o cacique, os índios foram surpreendidos pela ação policial, e os cavalos se assustaram com os maracás:

— Usamos os maracás para invocar nossos espíritos de proteção, para que eles nos protejam e ajudem. Os cavalos se agitaram, e a Tropa de Choque começou a atirar. Até agora não sabemos quem disparou a flecha — afirmou.

INDIOS BLOQUEIAM MINISTÉRIO DA JUSTIÇA


Índios bloqueiam entrada do Ministério da Justiça em Brasília. Grupo quer uma audiência com o ministro José Eduardo Cardozo

O GLOBO
Atualizado:29/05/14 - 11h28

Índios bloqueiam entrada do Ministério da Justiça Givaldo Barbosa / O Globo


BRASÍLIA - Um grupo de cerca de 300 índios está em frente ao Ministério da Justiça e cobra uma audiência com o ministro José Eduardo Cardozo sobre a demarcação de terras indígenas no país. Os índios bloqueiam as entradas do ministério e gritam palavras de ordem. Eles portam arcos e flechas, mas o protesto até o momento é pacífico. O policiamento no local foi reforçado.

De acordo com o Conselho Missionário Indigenista (Cimi), a principal reivindicação é que o governo dê prosseguimento aos procedimentos de demarcação paralisados no país. O grupo é contrário a minuta de portaria que muda os procedimentos de demarcação.

“A mobilização também se posiciona contra as mesas de diálogo entre indígenas e agricultores que têm sido propostas pelo ministério”, diz o conselho em nota.

A assessoria do ministro informou que Cardozo está à disposição para audiência com as lideranças indígenas.

O grupo é o mesmo que entrou em confronto com a Polícia Militar (PM), na terça-feira, em protesto contra a Copa do Mundo. Ontem, Cardozo não disse, no entanto, se os índios deveriam ser proibidos de participar de manifestações públicas com arcos e flechas.

Durante os confrontos com a PM, que duraram aproximadamente duas horas, um policial e quatro índios, segundo o Conselho Missionário Indigenista, ficaram feridos.


domingo, 25 de maio de 2014

BRAZILIAN INDIANS

SURVIVAL
http://www.survivalinternational.org/tribes/brazilian

There are about 240 tribes living in Brazil today, totaling around 900,000 people, or 0.4% of Brazil’s population.


The government has recognized 690 territories for its indigenous population, covering about 13% of Brazil’s land mass. Nearly all of this reserved land (98.5%) lies in the Amazon.

But although roughly half of all Brazilian Indians live outside the Amazon, these tribes only occupy 1.5% of the total land reserved for Indians in the country.


Yanomami woman
© Fiona Watson/Survival


Those peoples who live in the savannahs and Atlantic forests of the south, such as the Guarani and the Kaingang, and the dry interior of the north-east such as the Pataxo Hã Hã Hãe and Tupinambá, were among the first to come into contact with the European colonists when they landed in Brazil in 1500.

Despite hundreds of years of contact with expanding frontier society, they have in most cases fiercely maintained their language and customs in the face of the massive theft of, and continuing encroachment onto, their lands.

The largest tribe today is the Guarani, numbering 51,000, but they have very little land left. During the past 100 years almost all their land has been stolen from them and turned into vast, dry networks of cattle ranches, soya fields and sugar cane plantations. Many communities are crammed into overcrowded reserves, and others live under tarpaulins by the side of highways.

The smallest Amazonian tribe consists of one man, who lives in this house in western Brazil.
© Fiona Watson/Survival


The people with the largest territory are the relatively isolated 19,000Yanomami, who occupy 9.4 million hectares in the northern Amazon, an area about the same size as the US state of Indiana and slightly larger than Hungary.

The largest Amazonian tribe in Brazil is the Tikuna, who number 40,000. The smallest consists of just one man, who lives in a small patch of forest surrounded by cattle ranches and soya plantations in the western Amazon, and eludes all attempts at contact.

Many Amazonian peoples number fewer than 1,000. The Akuntsu tribe,for example, now consists of just five people, and the Awá just 450.

Awá mother and baby. The Awá are the most threatened tribe on earth.
© Survival
Uncontacted

Uncontacted Indians in the western Brazilian Amazon.
© Survival


Brazil is home to more uncontacted peoples than anywhere on the planet. It is now thought that approximately 80 such groups live in the Amazon. Some number several hundred and live in remote border areas in Acre state and in protected territories such as the Vale do Javari, on the border with Peru. Others are scattered fragments, the survivors of tribes virtually wiped out by the impacts of the rubber boom and expanding agriculture in the last century. Many, such as the nomadic Kawahiva, who number a few dozen, are fleeing loggers and ranchers invading their land.

As pressure mounts to exploit their lands, all uncontacted Indians are extremely vulnerable both to violent attack (which is common), and to diseases widespread elsewhere like flu and measles, to which they have no immunity.
Livelihoods

Most tribes live entirely off the forests, savannas and rivers by a mixture of hunting, gathering and fishing. They grow plants for food and medicine and use them to build houses and make everyday objects.

‘We Indians are like plants. How can we live without our soil, without our land?’
(Marta Guarani)

A Zo'é family relaxes in a hammock made from Brazil nut fibres.
© Fiona Watson/Survival

Staple crops such as manioc, sweet potato, corn, bananas and pineapples are grown in gardens. Animals such as peccaries, tapir and monkeys, and birds like the curassow are hunted for meat.

Some tribes, like the Matis, use long blowguns with poisoned darts to catch prey. Most use bows and arrows, and some also use shotguns. Nuts, berries and fruits such as açai and peach palm are regularly harvested and bees’ honey is relished.

Fish, particularly in the Amazon, is an important food. Many indigenous people use fish poison or timbó to stun and catch fish. The Enawene Nawe, who do not eat red meat, are renowned for the elaborate wooden dams called ‘waitiwina’ which they build across small rivers every year to catch and smoke large quantities of fish. Their Yãkwa ceremony is linked to the fishing dams and has been recognized as part of Brazil’s national heritage.

During the fishing season, Enawene Nawe men build wooden dams to catch fish, Brazil.
© Fiona Watson/Survival


A handful of peoples – the Awá, the Maku in the north-west and a few uncontacted tribes – are nomadic hunter-gatherers. They live in small extended family groups and keep few possessions, which allows them to move rapidly through the forest. They can erect shelters from tree saplings and palm leaves in just a few hours.

Like all indigenous peoples, they carry incredibly detailed mental maps of the land and its topography, fauna and flora, and the best hunting places. The Awá sometimes hunt at night using torches made from the resin of the maçaranduba tree.

‘When my children are hungry I just go into the forest and find them food.’ (Peccary Awá)
Ethnobotanical knowledge and conservation role

Indigenous peoples have unrivalled knowledge of their plants and animals, and play a crucial role in conserving biodiversity.

‘You have schools, we don’t, but we know how to look after the forest.’
Davi Kopenawa Yanomami

According to scientific studies, indigenous lands are ‘currently the most important barrier to Amazon deforestation.’

Satellite imagery shows how indigenous territories (numbered green areas) conserve Amazon rainforest and act as a barrier to deforestation (other colors)
© Survival

In some states such as Maranhão, the last remaining tracts of forest are found only in indigenous territories (the Awá are a good example of this), and these are under huge pressure from outsiders.

Davi Kopenawa, Yanomami shaman and spokesman
© Fiona Watson/Survival


Their role in conserving the rich biodiversity of the cerrado (or savannahs) and the Amazon rainforest is vital.

‘Why is it taking so long to believe that if we hurt nature, we hurt ourselves? We are not watching the world from without. We are not separate from it.’
Davi Kopenawa Yanomami

The Yanomami cultivate 500 plants for foods, medicines, house-building and other needs. They use nine different plant species just for fish poison. The Tukano recognize 137 varieties of manioc.

Guaraná, the ubiquitous fizzy cola drink in Brazil, was known to the Satere Mawe Indians long before it was commercialized. They would roast the seeds, grind them into a powder mixed with water, and drink it before setting off on a hunt. The Guaraná ensured they did not feel hungry, and had enough energy to keep hunting.

Many Brazilian Indian tribes like those of the Xingu Park, the Yanomami and the Enawene Nawe live in malocas – large communal houses – which shelter extended families, who string their hammocks from the rafters and share food around family hearths.

The Yanomami live in large communal houses.
© Dennison Berwick/Survival
Spirit worlds and shamanism

Like tribal peoples throughout the world, Indians in Brazil have very deep spiritual connections to their land. This is reflected in their rich oral history, cosmology, myths and rituals.

Some tribes take hallucinogenic drugs, which enable them to journey to other worlds to connect with spirits, and to cure sickness. This is not casual or recreational, but takes years of training and initiation.

Yanomami shamans inhale yakoana or yopo , a hallucinogenic snuff, in order to call on their shamanic spirits, or xapiri. The xapiri play a crucial role in healing ceremonies and during the reahu, or funeral feast, when communities come together to consume the ashes of dead people.

’I am a shaman of the rainforest and I work with the forces of nature, not with the forces of money or weapons. The shaman’s role is really important: they cure sick people and study to know the world.’
Davi Kopenawa Yanomami

Shamans of tribes such as the Kaxinawá and Ashaninka drink ayahuasca, a brew made from the caapi vine, during healing sessions. Others like the Arawete and Akuntsu smoke tobacco, or inhale it as snuff.

Some, like the Awá, take no stimulants or drugs, but go into a trance through the power of rhythmic dancing and clapping to journey to the iwa, or abode of the spirits, where they meet the souls of the ancestors and the spirits of the forest, the karawara.

Awá men greeting the Karawara spirits.
© Toby Nicholas/ Survival

The transition from childhood to adulthood is often marked by ceremonies and seclusion. When a Tikuna girl first menstruates, she is painted black with genipapo dye and adorned with eagle feathers. She sings, dances, and jumps over fires for up to four days with almost no sleep, and then goes into isolation for several months, during which time she is taught about the history of her people and informed of her future responsibilities.

The peoples of the Xingu are famous for funerary ceremonies honoring dead leaders, who are represented by decorated trunks of wood called kwarup.
History

The history of Brazil’s indigenous peoples has been marked by brutality, slavery, violence, disease and genocide.

When the first European colonists arrived in 1500, what is now Brazil was inhabited by an estimated 11 million Indians, living in about 2,000 tribes. Within the first century of contact, 90% were wiped out, mainly through diseases imported by the colonists, such as flu, measles and smallpox. In the following centuries, thousands more died, enslaved in the rubber and sugar cane plantations.

Umutima shaman in 1957. In 1969 most of the Umutima were wiped out by a flu epidemic.
© José Idoyaga/Survival


By the 1950s the population has dropped to such a low that the eminent senator and anthropologist Darcy Ribeiro predicted there would be none left by the year 1980. On average, it is estimated that one tribe became extinct every two years over the last century.

In 1967, a federal prosecutor named Jader Figueiredo published a 7,000 page report cataloguing thousands of atrocities and crimes committed against the Indians, ranging from murder to land theft to enslavement.

In one notorious case known as ‘The massacre of the 11th parallel’, a rubber baron ordered his men to hurl sticks of dynamite into a Cinta Larga village. Those who survived were murdered when rubber workers entered the village on foot and attacked them with machetes.

The report made international headlines and led to the disbanding of the government’s Indian Protection Service (SPI) which was replaced by FUNAI. This remains the government’s indigenous affairs department today.

Survival International was founded in 1969 in response to an article by Norman Lewis in the Sunday Times magazine on the genocide of Brazil’s Indians.

The size of the indigenous population gradually started to grow once more, although when the Amazon was opened up for development by the military in the 1960s, 70s and 80s, a new wave of hydro-electric dams, cattle ranching, mines and roads meant tens of thousands of Indians lost their lands and lives. Dozens of tribes disappeared forever.

Auré and Aurá, the last survivors of their tribe, which is believed to have been violently wiped out. Auré has since died, leaving Aurá as the last remaining speaker of his language.
© Toby Nicholas/Survival


Twenty-two years of military dictatorship ended in 1985, and a new constitution was drawn up. Indians and their supporters lobbied hard for more rights.

Much has been achieved, although Indians do not yet enjoy the collective landownership rights they are entitled to under international law.

‘This here is my life, my soul. If you take the land away from me, you take my life.’
Marcos Veron, Guarani
Threats and challenges today

In the 514 years since Europeans arrived in Brazil, the tribal peoples there have experienced genocide on a huge scale, and the loss of most of their land.

‘We didn’t know the white people were going to take our land. We didn’t know anything about deforestation. We didn’t know about the laws of the white men.’
Enawene Nawe

Today, as Brazil forges ahead with aggressive plans to develop and industrialize the Amazon, even the remotest territories are now under threat. Several hydro-electric dam complexes are being built near uncontacted Indian groups; they will also deprive thousands of other Indians of land, water and livelihoods. The dam complexes will provide cheap energy to mining companies, who are poised to carry out large scale mining on indigenous lands if Congress passes a draft bill that is being pushed hard by the mining lobby.

Kayapó dance at an anti-dam protest in 2006
© T Turner

In the south many tribes such as the Guarani live in appalling conditions under tarpaulin shacks along the roadside. Their leaders are being systematically targeted and killed by private militias of gunmen hired by the ranchers to prevent them occupying their ancestral land. Many Guarani have committed suicide in despair at the lack of any meaningful future.

‘In the old days, we were free. Now we are no longer. So our young people think there is nothing left. They sit down and think, they lose themselves, and then commit suicide.’
Rosalino Ortiz, Guarani
Indigenous resistance and organizations

Today, there are over 200 indigenous organisations, which are at the forefront of the battle to defend their hard-won rights. Hundreds of Indians took to the streets last year to protest against the government’s plans to weaken their rights. Many run their own projects, health clinics and bilingual schools. The Tikuna established a museum to showcase their technologies, art, culture and language to white people.

Some tribes have made videos and DVDs to record rituals and ceremonies for their descendants, and to increase understanding of their ways of life. The Indigenous Council of Roraima runs projects on animal husbandry, fishing, and preserving seed banks for genetic diversity to ensure the tribe’s self-sufficiency.
Despite these achievements, there remains an endemic racism towards Indians in Brazil. In law they are still considered minors. The most important goal for tribal peoples in Brazil is control over their lands – Brazil is one of only two South American countries that does not recognise tribal land ownership.

‘We do exist. I want to say to the world that we are alive and we want to be respected as a people.’
Marta Guarani

Damiana Cavanha is leading her Guarani community in its campaign for its ancestral land to be returned.
© Fiona Watson/Survival

AVAETÉ, A SEMENTE DA VINGANÇA

OLHAR DIRETO.COM 26/02/2014 - 16:36

"A selva de pedra cresceu em mim", diz índio que atuou no filme mais radical sobre extermínio Avaeté - A semente da vingança

Da Redação - Marianna Marimon



Foto: Reprodução


A cena mais chocante do filme Avaeté – A semente da vingança contrasta com o choque daqueles olhos melancólicos, que um dia acreditaram que o mundo poderia ser um lugar justo para todos. E a realidade bateu à porta quando poetizou em uma conversa: “A selva de pedra cresceu em mim”. Macsuara Kadiweu é o índio que sobrevive no filme do cineasta Zelito Viana, e o enredo se confunde com a sua própria história, com a história de todos aqueles que perderam sua ligação com a terra. Os dois estiveram presentes no Festival de Cinema e Vídeo de Cuiabá, o Cinemato, devido a homenagem ao cineasta e ao filme que é baseado em fatos reais ocorridos em Mato Grosso, aonde o filme foi rodado.


O filme é de 1985, mas nunca foi tão atual. É com crueza que demonstra uma história real: o extermínio dos indígenas em detrimento de suas terras e riquezas naturais. Baseado no massacre do Paralelo 11 contra os índios Cinta-Larga, algumas cenas do filme são inventadas como a explosão da aldeia, mas outras são reais. Zelito Viana conta que a cena mais chocante do filme é referente a uma fotografia da revista americana Time.

Então, não adiaremos mais. A história é a seguinte, um madeireiro poderoso quer invadir as terras indígenas para ampliar seu poder na região, e para isto, determina o extermínio de uma tribo inteira. O cozinheiro da missão se acovarda e não consegue matar o único menino sobrevivente, que consegue fugir. Enfim, o “Branco”, capitão do mato do madeireiro pega a mãe do menino e a amarra pelos pés a uma árvore, e então, com um facão corta a mulher ao meio.

Esta cena é uma fotografia da Time. Na história real, o bebê leva um tiro na cabeça e a mãe é cortada ao meio com um machado. Avaeté não é fácil de engolir, mas é necessário, é como uma pílula amarga que pode te trazer a cura. Porém, o processo é dolorido. É um soco no estômago e na cara. É um choque de realidade. Sim, tudo isso aconteceu. Mas como Zelito relembra: “o único motivo para o extermínio do povo Cinta-Larga era apenas para não deixar que eles avançassem em seu território, não havia disputa por terras ou madeira”, explicou.

O massacre do Paralelo 11 aconteceu em 1962, mas só veio à tona em 1968. Zelito narra as dificuldades para conseguir produzir o filme na época da ditadura militar. Mas, o longa saiu e ganhou as telas do mundo. Em todas as salas em que foi exibido, Zelito conta que no momento da cena da índia cortada ao meio, a reação é sempre a mesma: espanto.

“A minha cabeça foi feita aí, nesse filme, em 1978 quando entrei em contato com as tribos indígenas, conheci uma realidade nova, porque eu era um ser urbano e conheci o Brasil profundo aqui em Mato Grosso. Infelizmente esta problemática é atual”, disse Zelito.

No enredo, o pequeno índio consegue fugir e também o cozinheiro. Então, começa uma amizade improvável e esta foi a história que Zelito vendeu para que o filme pudesse ser exibido. Mas, ele já emenda que ninguém engoliu a história da amizade.

Avaeté é uma obra de crueza e densidade, um retrato da realidade como ela é, sem deixar dúvidas dos erros cometidos em todas as esferas contra os povos tradicionais. Após o crime contra a tribo do pequeno índio, ele cresceu junto ao cozinheiro, até que denunciam o massacre, e começam a ser perseguidos novamente. Um político denuncia no Congresso, mas não resulta em nada. O dono da madeireira é poderoso demais.

O pequeno índio agora homem consegue resgatar um dos seus únicos amigos, e no fim do filme, consegue vingar toda a dor que passou durante os anos. O tempo todo, o índio está em busca de sua identidade perdida, de sua relação com a terra, com os hábitos do seu povo, com a natureza, a água, o vento. “Eu era o homem livre”, termina o filme.

Mas, a sessão pode ter sido encerrada, só que o problema continua a gritar em nossas caras como um incansável reflexo de nós mesmos: uma sociedade egoísta, individualista, consumista e segregadora.

Avaeté é essa busca por tudo o que se foi e não irá voltar. Avaeté é um pedaço de tempo que se foi, mas nunca deixou de ser. Avaeté é o grito contido da dor, da morte, do sangue derramado.

Macsuara deu vida ao índio valente que conseguiu vingança pelo extermínio de seu povo. A sua história se mescla com Avaeté, porque sua pele é o símbolo do sofrimento de toda uma vida. A emoção tomou conta de si ao rever Zelito e o filme feito na juventude. Seus olhos marejados revelam a imensidão de uma alma atormentada, inquieta e irrequieta.

“Teria que ter muitos Zelitos para contar a nossa história, porque a representação do índio no cinema fica em 3º plano, é como um figurante da realidade. O 1º plano é da natureza e o 2º é dos exploradores. Não existe uma lente que identifique o âmago da cultura indígena nativa”, disse Macsuara.



E solta “invisible people”. É assim que Macsuara traz à leitura dos indígenas perante o mundo: “as pessoas invisíveis”. “É uma bolha psicológica que criaram para observar e preservar a natureza e isso é a maior mentira. A Internet também. O olho não funciona, a boca não funciona, só o que funciona é a solidão”, sentenciou.

Consciente dos problemas indígenas, Macsuara possui uma análise crítica e política sobre a situação. E lamenta que atualmente, a luta perdeu força, e a busca pela preservação da identidade também. No filme, o índio vai atrás do próprio eco para encontrar a si mesmo. “É um massacre moral, cultural, que derruba o esteio. As lutas enfraqueceram. Mataram todos os heróis”, lamentou.

Então, para finalizar a entrevista, questiono Macsuara sobre como é para ele, ter saído da aldeia, de perto da natureza e adentrado o universo urbano, e com os olhos sérios e calejados me responde com uma dor que se percebe na voz: “A selva de pedra cresceu em mim”, e emudece. O silêncio toma conta de nós e só a solidão pode funcionar.

OS ÍNDIOS QUE INCOMODAM



ZERO HORA 25 de maio de 2014 | N° 17807

ARTIGOS

Moisés Mendes*



Tente sair da neutralidade e ficar ao lado dos índios ou dos agricultores nesse conflito por um pedaço de terra no norte do Estado. É incômodo, é desconfortável, é constrangedor. Só os diretamente envolvidos na disputa ou que estão no entorno podem se sentir à vontade para dizer que ficam, categoricamente, com os colonos ou com os caingangues.

Essa é uma briga de miseráveis contra minifundiários. Fracassa quem procurar vilões em Faxinalzinho se for tentar encontrá-los entre os caingangues e os agricultores. Eles estão fora dali.

O Estado da agricultura intensiva confronta-se com seu primitivismo. É agora que se espalham as perguntas emburrecedoras: como admitir que índios tomem posse de uma terra para dela tirar proveito como extrativistas, se a lavoura capitalista é a prosperidade, mesmo no minifúndio? Por que conceder terras aos caingangues, que vão cultivar roças arcaicas, fazer cestos e admirar os sabiás, se é possível continuar explorando áreas que sustentam famílias e o país com a fartura da soja?

Se fosse convidado a me posicionar, e isso tivesse alguma importância, eu seria condenado pela hesitação. Deixa-se a terra com os colonos e compra-se terra para os índios, ou vice-versa?

Convivi com índios e colonos por mais de 10 anos no noroeste do Estado. Entrei várias vezes na reserva da Guarita, que dividiu seus habitantes em classes no final dos anos 70. Os amigos do cacique Sebastião Alfaiate eram da elite que negociava arrendamentos e madeira da floresta com os brancos. A maioria, fora do poder, contentava-se com as migalhas concedidas pela hierarquia ao redor do chefe.

Conheci este Alfaiate e seus métodos de reproduzir, por duas décadas, até 1982, a estrutura social dos brancos na Guarita. Tinha carteira de sócio de cooperativa e a proteção de políticos. Desfilava numa Ford picape, protegido pela sua polícia. Num Dia do Índio, me encontrei com Alfaiate. O chefe me olhou da cabeça aos pés, tirou um maço de dinheiro do bolso e disse:

– Tu veio aqui pra saber o que nós queremos pedir às autoridades nesta data? Pois olha bem pra ti, tu é quem tá com jeito de quem tem que pedir alguma ajuda.

Para a ditadura, os Alfaiates deveriam reinar nas reservas do Estado. Os índios nunca seriam um incômodo. Burocratas, “indigenistas” e oportunistas pouco fizeram pela proteção a caingangues e guaranis (os guaranis, em minoria entre 7 mil índios, sempre estiveram entre os escorraçados da Guarita) e deixaram que os índios se amontoassem em reservas compartilhadas com os brancos.

Até que, em 1978, o cacique Nelson Xangrê, de Nonoai, decidiu romper com a acomodação e liderou a sangrenta expulsão de agricultores de terras indígenas do município. Os caingangues que se rearticulam agora para retomar uma área que consideram ser deles trazem para o início do século 21 a inquietação dos anos 70.

É cômodo e simplificador resumir a briga pelas terras a um embate entre quem trabalha e quem não precisa de grandes áreas para desfrutar do ócio contemplativo. Como também é preguiçosa a versão de que os agricultores são usurpadores do patrimônio dos caingangues. Eles, tanto quanto os índios, foram enganados em algum momento por espertalhões públicos e privados.

O que não aconteceu, e que muitas autoridades de tempos idos gostariam que tivesse acontecido, foi a extinção ou a total fragilização dos caingangues. Quantos não torceram para que os índios continuassem resignados em acampamentos à beira das estradas, vendendo artesanato nas cidades e tomando porres nos bolichos de Miraguaí e Tenente Portela, até desaparecerem ou se tornarem numérica e socialmente insignificantes?

Mas os caingangues se rebelam, estudam e até fazem faculdade. Na Capital, indiozinhos e indiazinhas cantam e dançam aos domingos no Brique da Redenção. Pedem moedas e um olhar de admiração. Por enquanto, parece que é só o que eles querem.

*JORNALISTA



Cena do filme "Terra dos Índios", do cineasta Zelito Viana, realizado em 1978, em que aparece o Cacique Nelson Jacinto Xangrê e seus principais auxiliares.


Terra dos Índios


Terra dos Índios

Diretor - Zelito Viana
Idioma original - Português e Kaingang
Lançamento  - 1979
Duração - 115min

Em 1977, Zelito Viana viajou pelo Brasil retratando a situação dos povos indígenas nos diferentes estados. Através do vídeo denunciou a violência por trás do projeto nacional de “integração dos índios”, revelando as condições vergonhosas nas quais se encontravam muitos desses povos, entre eles os kaingang do município do Rio Grande do Sul, os Kaiová do Mato Grosso e muitos outros. Diante da impossibilidade de viver conforme seus costumes e cercados por colonos brancos hostis, os indígenas sucumbem ao interesse de fazendeiros e empresários que grilam suas terras, derrubam suas ancestrais matas e em nome de sua ganância colocam em risco o futuro destas sociedades.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

PLANO PARA FAXINALZINHO


ZERO HORA 14 de maio de 2014 | N° 17796


BRASÍLIA | Carolina Bahia




Diante da crise em Faxinalzinho, o governo federal estuda a remoção gradual dos agricultores das terras. Uma das ideias em análise é o repasse de recursos para o governo do Estado, viabilizando a compra de novas áreas para os pequenos produtores, além do ressarcimento pelas benfeitorias. A saída, no entanto, se estenderia por três ou quatro anos, conforme a verba fosse liberada e os agricultores encontrassem outros terrenos. No Planalto, a crença é de que esse processo esvaziaria a tensão. Não há, porém, decisão tomada. Embora a Advocacia-Geral da União (AGU) defenda a demarcação, o ministro Luiz Inácio Adams reforça a manifestação do Ministério da Justiça, afirmando que qualquer definição será fruto de um acordo.

O Tribunal Superior Eleitoral tem obrigação de agir de maneira exemplar no caso de abuso do dinheiro do fundo partidário pelos partidos, suspendendo os repasses. PR, PT e PP teriam desembolsado recursos do fundo para bancar escritórios de advocacia que defendem filiados. A última denúncia diz respeito ao uso do PP para o pagamento da defesa do deputado José Otávio Germano em ações na Justiça. Germano admite que pediu socorro financeiro e argumenta que, ao ajudá-lo, o PP fez a defesa da próprio partido, já que ele integra a legenda.

Está prevista para o final de maio uma manifestação das comunidades indígenas na Esplanada dos Ministérios. Aproveitando o clima da Copa, as lideranças querem chamar a atenção da imprensa internacional para o problema agrário, angariando simpatizantes, pressionando o governo.

Santa Maria será o palco do lançamento do Plano Safra da Agricultura Familiar 2014/2015, com a presença da presidente Dilma Rousseff e do ministro Miguel Rossetto. A data prevista é 26 de maio. MDA e Planalto ainda estão fechando os detalhes do anúncio para os pequenos produtores. O que já se sabe é que a festa será grande.

domingo, 11 de maio de 2014

ENTRE O TIRO E A LANÇA



ZH 11 de maio de 2014 | N° 17793

CARLOS WAGNER CARLOS MACEDO | TEXTOS FOTOGRAFIA


QUESTÃO AGRÁRIA


O TRIÂNGULO FORMADO pelos municípios de Vicente Dutra, Faxinalzinho e Sananduva, no norte do Estado, é o centro de uma guerra entre caingangues e agricultores pela terra. Zero Hora foi à região para mostrar o que move os dois lados



Na longa e sangrenta história do conflito entre caingangues e agricultores no Rio Grande do Sul, a morte a tiros e pauladas dos irmãos Alcemar e Anderson de Souza, no dia 28 de abril, em Faxinalzinho, pelos indígenas, é um capítulo novo e diferente. É a primeira vez que os dois lados admitem a posse de revólveres e espingardas.

A radicalização teve início em 2003, segundo Henrique Kujawa e João Carlos Tedesco, organizadores do livro Conflitos Agrários no Norte Gaúcho: Índios, Negros e Colonos. A Constituição de 1988 assegurou aos índios a retomada de terras que haviam sido usadas para colonização – em sua maioria, reservas já demarcadas. Nos anos 1960, o governo do Estado usou reservas indígenas para fazer reforma agrária, como é o caso de Serrinha, em Ronda Alta. Os caingangues conseguiram retomar Serrinha e outras reservas, um sucesso explicado pelo direito líquido e certo à terra, na opinião de Kujawa. O governo federal indenizou os colonos desalojados pagando benfeitorias, e o governo do Estado, a terra.

A retomada das áreas de reservas no Rio Grande do Sul terminou no começo dos anos 2000. Foi quando caingangues partiram em busca de terras que não tinham sido reservas indígenas oficiais. Em locais onde seus antepassados haviam acampado, a presença era comprovada por laudos de antropólogos da Fundação Nacional do Índio (Funai). Agricultores organizaram-se e trancaram a retomada das terras. Em consequência, os acampamentos indígenas proliferaram: hoje somam 19 no Estado, pelas contas da Funai. Mas o número pode ser bem maior.

Estima-se que, num raio de cem quilômetros de Passo Fundo, existam 102 focos de tensão entre índios e agricultores. Segundo o cacique Deoclides de Paula, 42 anos, do acampamento de Votouro Kandoia, em Faxinalzinho, preso pela Polícia Federal na sexta-feira juntamente com mais quatro caingangues por suspeita de envolvimento na morte dos irmãos Souza, 10 mil índios, dos 35 mil do Estado, disputam terras. A Funai não confirma os números.

O principal aliado dos índios é o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ligado à Igreja progressista. A face invisível são os burocratas do serviço público federal. Com os colonos, estão alas conservadoras da Igreja, sindicatos patronais e, novidade surpreendente, a Fetraf-Sul, ligada à Central Única dos Trabalhadores (CUT). Os dois irmãos mortos são as mais recentes vítimas desse fogo cruzado.



Antagonistas preparam-se para enfrentamento


O que irá acontecer no confronto por terras entre indígenas e colonos nos próximos meses no Rio Grande do Sul foi decidido no dia seguinte ao enterro dos dois agricultores e irmãos mortos a tiros e pauladas pelos índios caingangues em Faxinalzinho, pequena cidade agrícola do norte do Estado. Alcemar Batista de Souza, 41 anos, e Anderson de Souza, 26 anos, foram assassinados na tarde de 28 de abril, ao furar um bloqueio de toras de madeira erguido na estrada pelos índios, e enterrados no dia seguinte, ao entardecer, no cemitério de Coxilhão Aparecida, interior de Faxinalzinho.

A manhã do dia 30 iniciou-se com uma chuva grossa e insistente que duraria dois dias. No acampamento caingangue de Kandoia, que ocupa dois hectares dos 2,7 mil que têm a posse reivindicada pelos índios, distante oito quilômetros do centro da cidade, 20 caciques de vários cantos do Estado reuniram-se em um prédio de material, com vidros quebrados e muitas goteiras. Um deles era Deoclides de Paula, que chefia os indígenas responsáveis pela morte dos dois agricultores. Além de cacique de Kandoia – onde vivem 200 famílias de indígenas –, ele também faz parte da Comissão Nacional de Políticas Indigenistas, ligada ao Ministério da Justiça.

Zero Hora documentou o encontro. Os caciques falavam português e caingangue. Ali, eles decidiram não apostar mais nas negociações com o ministério, que já duram mais de uma década.

– O governo é como feijão duro. Só cozinha sob pressão – comparou Roberto Carlos dos Santos, 42 anos, um dos presentes na reunião, líder do acampamento de Rio dos Índios, em Vicente Dutra.

DESINTRUSÃO

A pressão para amolecer o governo foi comunicada por Deoclides no final do encontro. Eles decidiram romper o diálogo com o Ministério da Justiça e fazer as coisas andarem pelas próprias mãos.

– Vamos bloquear as rodovias durante a Copa do Mundo. Iremos demarcar as nossas terras e depois fazer a desintrusão – prometeu o cacique.

Desintrusão significa retirada dos não índios de áreas indígenas. Legalmente, ocorre quando a área é reconhecida como da tribo, o que não é o caso de Kandoia. As palavras do cacique não representam um blefe.

O método usado pelos caingangues é simples. Um grupo cerca a casa do agricultor e dá algumas horas para a família abandonar o local. Isso aconteceu na reserva indígena de Nonoai em 1978.

– Em Nonoai, os índios agiram de maneira legítima porque os brancos eram os intrusos. Mas aqui os intrusos são eles. Isso não vai acontecer – avisou Sidimar Luiz Lavandoski, presidente do Sindicado dos Trabalhadores da Agricultura de Sananduva e coordenador de Conflitos Agrários da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul (Fetraf-Sul).

No dia seguinte ao enterro dos dois colonos assassinados, Lavandoski foi até o gabinete do prefeito de Faxinalzinho, Selso Pelin, onde também estava o presidente da Associação dos Moradores, Ido Antonio Marcon.

A conversa girou ao redor de uma reunião realizada pela Fetraf-Sul na terça-feira, em Passo Fundo, sobre as estratégias de resistência ao cerco indígena às terras da agricultura familiar.

A Fetraf-Sul organiza uma série de manifestações com dois objetivos: demonstrar força aos índios e levar o problema da disputa às ruas dos grandes municípios gaúchos, a fim de esclarecer a população sobre sua causa.

– Uma coisa é certa: os índios não vão tirar ninguém na marra de dentro de sua casa – avisou Lavandoski.



Suspeitas de boatos, extorsão e emboscadas


Emboscadas, extorsão, comentários preconceituosos, boatos sobre invasões e pessoas apavoradas. Essa é a realidade entre colonos e índios caingangues envolvidos na disputa por 1,9 mil hectares em Passo Grande do Rio Forquilha, lugarejo situado entre Sananduva e Cacique Doble, cidades agrícolas no norte do Estado.

O enfrentamento já dura uma década, mas nos últimos dois anos se intensificou, com uma atmosfera de confronto iminente. Parte dos índios envolvidos na disputa saiu da reserva de Charrua, próximo a Sananduva. Até a semana passada, eles tinham invadido e se apropriado de quatro áreas dos colonos que somam 160 hectares, onde vivem 117 famílias caingangues.

Nos 1,9 mil hectares disputados, habitam 152 famílias de pequenos agricultores. A última invasão dos índios ocorreu na terceira semana de abril, quando ocuparam as instalações da Capela Bom Conselho – um salão paroquial, um cemitério e um campo de futebol –, distantes cerca de 15 quilômetros do centro do município.

– A capela é um símbolo para a comunidade. É um absurdo o que estão fazendo – queixa-se o agricultor Oilson Predobom.

Leonir Franco, 24 anos, é o cacique do acampamento Passo Grande da Forquilha. Cercado por seus guerreiros e sentado à mesa no meio do salão paroquial – que foi transformado em um grande dormitório para as famílias indígenas –, o cacique disse saber do simbolismo do local para os colonos. Lembra, contudo, que nos anos 1940, quando agricultores se estabeleceram na área, expulsaram índios que viviam caçando, pescando e trabalhando para os ervateiros – pessoas que colhiam folhas de erva-mate.

Duas índias idosas, Eva Pinto e Jandira dos Santos, relatam lembranças da infância vivida com os pais na região.

– Quando os madeireiros começaram a derrubar o mato, fomos corridos daqui – recorda Jandira.

E Franco acrescentou ao comentário da índia:

– Os agricultores passaram o arado por cima dos cemitérios indígenas e não deixaram rastro.

CABO DE GUERRA

A pedido dos caingangues, os antropólogos da Fundação Nacional do Índio (Funai) fizeram uma pesquisa no Passo Grande da Forquilha e encontraram vestígios de que ali viveram povos indígenas. O resultado do trabalho virou um estudo aceito em 2011 pelo Ministério da Justiça, que publicou uma portaria declaratória reconhecendo a área como de ocupação tradicional indígena – na prática, o passo final de um longo processo para retirada dos colonos do local.

No ano passado, por pressão da Fetraf-Sul e outras organizações, o governo federal suspendeu as fases seguintes do processo de retomada da área, que são a demarcação da gleba e o levantamento das benfeitorias das propriedades para serem indenizadas. Em protesto, o cacique Franco iniciou a demarcação da área por conta própria.

– Eles invadiram 12 hectares da minha propriedade, e estou deixando de colher 4 mil sacas de soja por ano, um prejuízo de R$ 1 milhão – protesta o agricultor Denis Antonio Golin, 58 anos.

Há dois anos, Golin luta na Justiça Federal para tentar retirar os índios da sua terra. Não tem tido sucesso em razão da situação jurídica confusa da área. O episódio é citado pelos vizinhos como exemplo do que pode acontecer a qualquer um deles, comenta Adair Beluso, 53 anos, que vive em uma propriedade de 20 hectares com a mulher, Antoninha, a filha, Elisa, 14 anos, e o filho, Ezequiel, 28 anos, que se formou técnico agropecuário e voltou para casa a fim de ajudar na modernização da propriedade da família.

– Deixei o emprego para vir ajudar o pai. Tivemos de parar de investir por não saber o que irá acontecer – diz o agrônomo.

Alguns agricultores concordaram em pagar uma espécie de “aluguel” das próprias terras aos índios para não serem incomodados. ZH conseguiu falar com um deles, na condição de não revelar o seu nome. Ele disse que, para continuar morando e trabalhando na propriedade, dá uma percentagem da colheita para os indígenas. Bem articulado e informado, o cacique Franco nega a extorsão. Afirma saber que a incerteza causa medo nos colonos. Mas que também apavora as famílias indígenas.

– Colonos conseguiram expulsar daqui os nossos pais. Agora, eles não conseguirão nos tirar daqui, eles é que vão sair – promete.

O cacique pretende iniciar nas próximas semanas o processo de desintrusão (retirada das famílias de colonos) do Passo Grande do Rio Forquilha. Na última semana, o boato de que havia índios armados na região se espalhou.

No Dia do Trabalho, os colonos se reuniram na sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Houve a decisão de reforçar a vigilância.

– Para retirar os agricultores, é necessário que se complete o processo de reconhecimento da área como indígena. Isso não vamos permitir – aposta Sidimar Luiz Lavandoski, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura de Sananduva e diretor da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul (Fetraf-Sul).



Em Vicente Dutra, as faces do confronto



Há dois homens que evitam se cruzar na mesma calçada em Vicente Dutra, nas barrancas do Rio Uruguai, noroeste do Estado. São o agricultor Altair dos Santos Bueno, 49 anos, o Palmeira, e o cacique caingangue Roberto Carlos dos Santos, 42 anos.

A inimizade nasceu, cresceu e vem sendo nutrida por uma disputa de 715 hectares, travada desde de 2004 entre colonos e indígenas. Além das propriedades rurais, a terra reivindicada pelos indígenas atinge o empreendimento Águas do Prado, que tem 250 cabanas e recebe 600 turistas por ano.

Em 1997, 40 famílias de caingangues chegaram à cidade reivindicando a terra, que teria pertencido aos seus antepassados. Em 2004, o Ministério da Justiça assinou uma portaria declaratória reconhecendo o direito dos índios. A área foi demarcada pelo governo em 2012, e o passo seguinte seria indenizar as 60 famílias de agricultores pelas benfeitorias nas propriedades. Por pressão das entidades que defendem os colonos, não houve indenização, e o processo de assentamento dos índios parou.

Enquanto isso, os caingangues vivem em uma vila que ocupa dois hectares, à beira do Rio dos Índios. Bueno tem 37 hectares de terra no interior da área reivindicada e se posiciona fortemente contra as intenções dos índios, inclusive fazendo discursos inflamados nas reuniões dos colonos.

A REAÇÃO

Em novembro do ano passado, os caingangues invadiram o balneário e trancaram estradas ao redor da cidade. Na ocasião, Bueno fazia um bico de segurança. Ele foi agredido pelos índios – não pela função que exercia, mas pelo posicionamento assumido em público – e sofreu vários cortes de faca e perfurações de lanças, como mostram as cicatrizes. O índios invadiram e vandalizaram 103 cabanas e colocaram fogo em uma. Uma parte dessa história está no boletim de ocorrência feito por Neli Pinton, tesoureira do balneário.

Os colonos reagiram. Um grupo de 400 moradores se reuniu e cercou os índios. Havia gente armada dos dois lados, lembram o prefeito da cidade, João Paulo Pastorio, e o cacique Santos. Não houve uma tragédia porque os dois grupos tomaram consciência de que aconteceria uma carnificina, recorda Valdeci Steffen, 44 anos, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais.

– O que aconteceu em Faxinalzinho (a morte de dois agricultores em conflito com os índios) nos lembrou que podemos ter outro confronto aqui e talvez não tenhamos a mesma sorte da última vez, quando não houve tragédia – preocupa-se Steffen.

Ao conversar sobre o que aconteceu no ano passado, o cacique Santos culpa a pressão dos políticos pela interrupção do processo de assentamento dos índios. E descreve a situação em Vicente Dutra como um barril de pólvora, com um pavio curto aceso.

– Uma hora um índio e um colono podem se cruzar aí pela rua e olhar um na cara do outro e acabar se matando. Isso pode ser o estopim de uma grande briga – imagina o cacique.



Uma localidade chamada Bugre Morto


Há menos de um ano, na beira da estrada que liga Passo Fundo a Pontão, nasceu o acampamento indígena do Butiá. Ali, um aglomerado de famílias caingangues reivindica a posse de 35 mil hectares de terra que teriam sido ocupados por antepassados nos anos 1930. Eles teriam sido expulsos com a chegada dos colonizadores.

– Os índios abandonaram a área porque um fazendeiro da região convidou a tribo para um churrasco. A carne havia sido envenenada, e muitos caingangues morreram – afirma o cacique do acampamento, Amandio Vergueiro, 75 anos, veterano na luta pela retomada de áreas indígenas.

Nas proximidades do acampamento, há uma comunidade chamada Bugre Morto, que teria ganho esse nome em razão do episódio do churrasco, segundo o cacique. A história contada por Vergueiro é difícil de ser comprovada. Mas, para os caingangues, o relato é real e serve de mote para fortalecer a luta pela terra. Muitos acampamentos como o Butiá surgem sob a inspiração de histórias antigas. Geralmente, os índios que vão para os acampamentos reivindicar terras fogem de conflitos familiares onde viviam.

E, diferentemente dos índios que vivem em reservas oficiais – áreas protegidas pela União –, os que se alojam em acampamentos para disputar terras estão fora dos programas governamentais que apoiam os indígenas.

Conforme Vergueiro, o acampamento é um cutelo no meio das costelas dos que tomaram as terras dos índios. Não deixa de haver verdade nisso. Sempre que um acampamento consegue sobreviver e chama atenção das autoridades, sua presença desvaloriza o preço das terras vizinhas.


TENSÃO NO CAMPO

ZH 10/05/2014 | 15h01

por Carlos Wagner

Tensão no campo

Como vivem índios e colonos nas terras em disputa no RS. ZH visitou áreas de conflito em Vicente Dutra, Pontão e Sananduva


Caingangues e agricultores admitem abertamente que estão portando armas
Foto: Carlos Macedo / Agencia RBS


Na longa e sangrenta história dos conflitos entre caingangues e agricultores no Rio Grande do Sul, a morte a tiros e pauladas dos irmãos Alcemar e Anderson de Souza, em Faxinalzinho, pelos indígenas, é um capítulo novo e diferente. É a primeira vez que os dois lados admitem a posse de revólveres e espingardas.

A radicalização da luta nasceu em 2003, segundo estudos dos professores Henrique Kujawa, da Faculdade Meridional-IMED de Passo Fundo, e João Carlos Tedesco, da Universidade de Passo Fundo (UPF), organizadores do livro Conflitos Agrários no Norte Gaúcho: Índios, Negros e Colonos. A Constituição de 1988 assegurou aos índios a retomada de suas terras que haviam sido usadas para colonização - em sua maioria, reservas já demarcadas. Nos anos 1960, o governo gaúcho usou reservas indígenas para fazer reforma agrária, como é o caso da Serrinha, em Ronda Alta. Os caingangues conseguiram retomar Serrinha e outras reservas, um sucesso explicado pelo direito líquido e certo à terra, na opinião do professor Kujawa. O governo federal indenizou os colonos desalojados pagando benfeitorias, e o governo do Estado, a terra.


A retomada das antigas reservas indígenas no Rio Grande do Sul terminou no começo dos anos 2000. Foi quando líderes caingangues partiram na busca de terras que não tinham sido reservas indígenas oficiais. Mas, em locais onde seus antepassados haviam acampado, a presença era comprovada por laudos dos antropólogos da Fundação Nacional do Índio (Funai). Os agricultores se organizaram e trancaram o processo de retomada das terras. Em consequência, os acampamentos indígenas proliferaram pelo Rio Grande do Sul: hoje somam 19, pelas contas dos técnicos da Funai. Mas o número pode ser bem maior porque surgem e desaparecem com incrível velocidade.

As áreas de disputa visitadas por ZH




Há uma estimativa de que, a um raio de cem quilômetros de Passo Fundo, existam 102 acampamentos de índios. Segundo o cacique Deoclides Paula, 42 anos, do acampamento de Votouro Kandoia, de Faxinalzinho, hoje 10 mil índios, dos 35 mil que vivem no Estado, estão acampados e em disputa por terra com os agricultores.

Não há confirmação oficial do número dos índios em luta pela terra. Mas são muitos, admite Roberto Perin, coordenador regional da Funai, em Passo Fundo. A luta entre colonos e índios saiu do controle dos governos. A guerra é alimentada pela pressão política dos grupos que apoiam cada um dos lados. De parte dos índios, o principal aliado é o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ligado à ala progressista da Igreja. A face invisível são os burocratas incrustados no serviço público federal. Ao lado dos colonos, estão os setores conservadores da Igreja, sindicatos patronais e, novidade surpreendente, a Fetraf Sul, organização de esquerda ligada à Central Única dos Trabalhadores (CUT). Os dois irmãos mortos Em Faxinalzinho são as mais recentes vítimas do fogo cruzado desse conflito que não tem desfecho à vista.

Sananduva: o conflito que dura uma década
Emboscadas, extorsão, comentários preconceituosos, boatos sobre invasões e pessoas apavoradas. Essa é a realidade entre colonos e índios caingangues envolvidos na disputa por 1,9 mil hectares em Passo Grande do Rio Forquilha, lugarejo entre Sananduva e Cacique Doble, cidades agrícolas no norte do Estado. O enfrentamento já dura uma década, mas nos últimos dois anos se intensificou, com uma clima de confronto iminente.

Parte dos índios envolvidos na disputa saiu da reserva indígena de Charrua, próximo a Sananduva. Até a semana passada, eles tinham invadido e se apropriado de quatro áreas dos colonos que somam 160 hectares, onde vivem 117 famílias caingangues.

Nos 1,9 mil hectares disputados, moram 152 famílias de pequenos agricultores. A última invasão dos índios foi na terceira semana de abril, quando eles ocuparam as instalações da Capela Bom Conselho — salão paroquial, cemitério e campo de futebol —, distante cerca de 15 quilômetros do centro da cidade.

— A capela é um símbolo para a comunidade. É um absurdo o que estão fazendo — queixa-se o agricultor Oilson Predobom.


Índios acampam em salão paroquial | Foto: Carlos Macedo



Leonir Franco, 24 anos, é o cacique do acampamento Passo Grande do Rio Forquilha. Cercado por seus guerreiros e sentado à mesa no meio do salão paroquial — que foi transformado em um grande dormitório para as famílias indígenas —, ele disse saber do simbolismo do local para os colonos. Lembra, contudo, que nos anos 1940, quando agricultores se estabeleceram na área, expulsaram índios que viviam caçando, pescando e trabalhando para os ervateiros — pessoas que colhiam folhas de erva-mate.

Duas índias idosas, Eva Pinto e Jandira dos Santos, relatam a Zero Hora as suas lembranças da infância vivida com os pais na região.

— Assim que os madeireiros começaram a derrubar o mato, nós fomos corridas daqui — recorda Jandira.

Franco acrescentou ao comentário da índia:

— Os agricultores passaram o arado por cima dos cemitérios indígenas e não deixaram nenhum rastro.

Cabo de guerra

A pedido dos caingangues, os antropólogos da Fundação Nacional do Índio (Funai) fizeram uma pesquisa no Passo Grande do Rio Forquilha e encontraram vestígios de que ali viveram povos indígenas. O resultado do trabalho virou um estudo aceito, em 2011, pelo Ministério da Justiça, que publicou uma portaria declaratória reconhecendo a área como ocupação tradicional indígena — na prática, o passo final de um longo processo para retirada dos colonos do local. No ano passado, por pressão da Fetraf-Sul e outras organizações, o governo federal suspendeu as fases seguintes do processo de retomada da área, que são a demarcação da gleba e o levantamento das benfeitorias das propriedades para serem indenizadas. Em protesto, o cacique Franco iniciou a demarcação da área por conta própria.

— Eles invadiram 12 hectares da minha propriedade e estou deixando de colher 4 mil sacas de soja por ano, um prejuízo de R$ 1 milhão — protesta o agricultor Denis Antonio Golin, 58 anos.



Há dois anos, Golin luta na Justiça Federal para tentar retirar os índios da sua terra. Não tem tido sucesso em razão da situação jurídica confusa da área. A situação é citada pelos vizinhos como exemplo do que pode acontecer a qualquer um deles, comenta Adair Beluso, 53 anos, que vive em uma propriedade de 20 hectares com a mulher, Antoninha, a filha Elisa, 14 anos, e o filho Ezequiel, 28 anos, que se formou técnico agropecuário e voltou para casa a fim de ajudar na modernização da propriedade do pai.

— Deixei o emprego para vir ajudar o pai. Agora tivemos de parar de investir por não saber o que irá acontecer amanhã — comenta o agrônomo.

O pai de Ezequiel reclama que a presença dos índios fez naufragar o projeto de desenvolvimento da propriedade da família, que produz leite, soja e milho. Ele acredita que a única maneira de solucionar o problema e juntar-se ao grupo de agricultores que se organizou para deter o avanço das invasões dos índios é realizar protestos para pressionar o governo a recuar na intenção assentar os caingangues na área.

Os caingangues vieram para ficar

Há vários agricultores que não estão fazendo protesto porque concordaram em pagar uma espécie de "aluguel" das próprias terras aos índios para não serem incomodados. ZH conseguiu falar com um deles, na condição de não revelar o seu nome. Ele disse que, para continuar morando e trabalhando na propriedade, dá uma porcentagem da colheita para os indígenas. Bem articulado e informado, o cacique Franco nega que os índios estejam extorquindo os agricultores. Afirma que sabe que a incerteza causa medo nos colonos. Mas que também apavora as famílias indígenas, que temem ser atacadas pelos agricultores.

— Antigamente, os colonos conseguiram expulsar daqui os nossos pais. Agora, eles não conseguirão nos tirar daqui, eles é que vão sair — promete.


Lavandovski (E) e Golin questionam demarcação | Foto: Carlos Macedo



Para apressar o processo, o cacique tem a intenção de iniciar nas próximas semanas o processo de desintrusão (retirada das famílias de colonos) do Passo Grande da Forquilha. Na última semana, o boato de que bandos de índios armados estariam circulando pela região para fazer a desintrusão espalhou-se com rapidez entre as famílias de agricultores.

No feriado do Dia do Trabalho, os colonos se reuniram na sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. A situação foi discutida, e houve a decisão de reforçar a vigilância aos movimentos dos índios.

— Para retirar os agricultores, é necessário que se complete o processo de reconhecimento da área como sendo indígena e ele seja homologado. Isso não vamos permitir — aposta Sidimar Luiz Lavandoski, presidente do Sindicado dos Trabalhadores da Agricultura de Sananduva e coordenador de Conflitos Agrários da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul (Fetraf-Sul).

Vicente Dutra, o município sobre um barril de pólvora

Há dois homens que evitam se cruzar na mesma calçada em Vicente Dutra, nas barrancas do Rio Uruguai, noroeste do Estado. São o cacique caingangue Roberto Carlos dos Santos, 42 anos, e o agricultor Altair dos Santos Bueno, 49 anos, o Palmeira.


Altair mostra cicatrizes de confrontos do passado | Foto: Carlos Macedo



A inimizade deles nasceu, cresceu e vem sendo nutrida por uma disputa de 715 hectares, travada desde de 2004 entre colonos e indígenas. Além das propriedades rurais, a terra reivindicada pelos indígenas atinge o empreendimento Águas do Prado, que tem 250 cabanas e recebe 600 turistas por ano. Em 1997, 40 famílias de caingangues chegaram à cidade reivindicando a terra, que teria pertencido aos seus antepassados. Em 2004, o Ministério da Justiça assinou uma portaria declaratória reconhecendo o direito dos índios. A área foi demarcada pelo governo em 2012, e o passo seguinte seria indenizar as 60 famílias de agricultores pelas benfeitorias feitas nas propriedades. Por pressão das entidades que defendem os colonos, a indenização não aconteceu, e o processo de assentamento dos índios parou. Enquanto isso, os caingangues vivem em uma vila que ocupa dois hectares, à beira do Rio dos Índios. Santos tem 37 hectares de terra no interior da área reivindicada e se posiciona fortemente contra as intenções dos índios, inclusive fazendo discursos inflamados nas reuniões dos colonos.

Em novembro do ano passado, os caingangues invadiram o balneário e trancaram estradas ao redor da cidade. Na ocasião, Bueno fazia um bico de segurança. Ele foi agredido pelos índios — não pela função que exercia, mas pelos discursos inflamados — e sofreu vários cortes de faca e perfurações de lanças, como mostram as cicatrizes. O índios invadiram e vandalizaram 103 cabanas e colocaram fogo em uma. Uma parte dessa história está no boletim de ocorrência feito por Neli Pinton, tesoureira do balneário.

A reação

Os colonos reagiram. Um grupo de 400 moradores se reuniu e cercou os índios. Havia gente armada dos dois lados, lembram o prefeito da cidade, João Paulo Pastorio, e o cacique Santos. Não houve uma tragédia porque os dois grupos tomaram consciência de que aconteceria uma carnificina, recordou Valdeci Steffen, 44 anos, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais.

— O que aconteceu em Faxinalzinho (a morte de dois agricultores em conflito com os índios) nos lembrou que podemos ter outro confronto aqui e talvez não tenhamos a mesma sorte da última vez, quando não houve tragédia — preocupou-se Steffen.

Ao conversar sobre o que aconteceu no ano passado, o cacique Santos culpa a pressão dos políticos pela interrupção do processo de assentamento dos índios. E descreve a situação em Vicente Dutra como um barril de pólvora como um pavio curto aceso.


O cacique Roberto Carlos | Foto: Carlos Macedo



— Uma hora um índio e um colono podem se cruzar aí pela rua e olhar um na cara do outro e acabar se matando. Isso pode ser o estopim de uma grande briga — imagina o cacique.

A imaginação dos agricultores também é povoada por pensamentos semelhantes aos do líder indígena. O casal de colonos Clodomiro e Marlene Antunes tem uma propriedade de 90 hectares dentro das terras reivindicadas pelos índios. O marido faz parte da comissão de agricultores que luta na disputa das glebas com os caingangues.

— Nós e os índios somos adversários obrigados a conviver juntos. Isso só pode terminar mal, rezo para que não se repita o que aconteceu em Faxinalzinho — acredita.

A vida parou

Na terra disputada pelos índios, pelos colonos e pela Associação dos Amigos da Água do Prado, proprietária do empreendimento, a vida econômica parou. As propriedades rurais estão virando favelas, como descreveu Nelci Almeida, 45 anos, que vive em 12,5 hectares com a mulher, Eliene Gonçalves, e três filhos — entre eles Luana, companheira de Valdir Doarte, 27 anos.

— Nós não pintamos a casa. Não reformamos as máquinas agrícolas. O mato está crescendo na lavoura. É como se a nossa vida tivesse sido congelada — compara Nelci.

Eliene lembra que, quando transita do centro da cidade até a sua casa, passa pela frente da área indígena e sempre ouve piadinhas. Uma das culturas fortes na área é a plantação de porongos usados para fazer cuias de chimarrão, e há várias pequenas indústrias da região que são abastecidas pela produção local. O agrônomo e empresário Jairo André Julio, 23 anos, diz que a família tem tradição no cultivo de porongo, um negócio que gera 300 empregos nas cidades próximas.

— As plantações de porongos vão ficar para os índios. O que vai sobrar para nós?

Em Pontão, indígenas reivindicam 35 mil hectares

Há menos de um ano, na beira da estrada que liga Passo Fundo a Pontão, nasceu o acampamento indígena do Butiá. Ali, um aglomerado de famílias caingangues reivindica a posse de 35 mil hectares de terra que teriam sido ocupados por antepassados nos anos 1930. Eles teriam sido expulsos com chegada dos colonizadores.


Acampamento Butiá, em Pontão | Foto: Carlos Macedo



— Os índios abandonaram a área porque um fazendeiro da região convidou a tribo para um churrasco. A carne havia sido envenenada, e muitos caingangues morreram — afirma o cacique do acampamento, Amandio Vergueiro, 75 anos, um veterano na luta pela retomada de áreas indígenas.

Nas proximidades do acampamento, há uma comunidade chamada Bugre Morto, que teria ganho esse nome em razão do episódio do churrasco, segundo o cacique. A história contada por Vergueiro é difícil de ser comprovada. Mas, para os caingangues, o relato é real e serve de mote para fortalecer a luta pela terra. Muitos acampamentos como o Butiá surgem sob a inspiração de histórias contadas pelos antigos. Geralmente, os índios que vão para os acampamentos reivindicar terras estão fugindo de conflitos familiares nas regiões onde viviam.

E, diferentemente dos índios que vivem em reservas oficiais do governo — áreas protegidas pela União —, os que se alojam em acampamentos para disputar terras estão fora dos programas governamentais que apoiam os indígenas.

Na definição do cacique Vergueiro, o acampamento é um cutelo no meio das costelas daqueles que tomaram as terras dos índios. Não deixa de haver verdade nessa visão. Sempre que um acampamento consegue sobreviver e chama atenção das autoridades para suas reivindicações, sua presença desvaloriza o preço das terras vizinhas.