segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

O CÍRCULO VICIOSO

O ESTADO DE S.PAULO 10 de fevereiro de 2014 | 2h 04


Denis Lerrer Rosenfield* - O Estado de S.Paulo




Os fatos são aterradores. Três moradores de Humaitá (AM) foram sequestrados e, posteriormente, assassinados por um grupo de indígenas da etnia tenharim. Foram mortos com armas de fogo, segundo a Polícia Federal, que conduz as investigações, com o auxílio, decisivo, do Exército Brasileiro.

Paira sobre esse fato, porém, um silêncio, mais que constrangedor, da Funai e dos ditos movimentos sociais, embora noticiado pelos principais meios de comunicação. Quando há uma manifestação, como a da presidente da Funai, é de que esse órgão não está bem a par do que aconteceu. Como assim? Desconhecimento, omissão ou má-fé?

Houve, anteriormente, a morte de um cacique num acidente de moto, algo, infelizmente, banal no País. Contudo um responsável da Funai na região se apressou a dizer que essa morte se devia a questões obscuras, não elucidadas. Tal declaração foi o estopim para que um grupo de indígenas sequestrasse três habitantes da região - um técnico da Eletrobrás, um representante comercial e um professor - que simplesmente trafegavam por uma rodovia.

Lá, sem nada saber, o responsável da Funai dizia saber o que havia acontecido, apesar de todas as evidências em contrário. Agora que as evidências são expostas à luz do Sol, ninguém sabe nada. Diga-se de passagem que esse funcionário, dada a sua irresponsabilidade, foi exonerado de suas funções. O estrago, no entanto, já estava feito. E a irresponsabilidade perdura!

A dita represália indígena por um ato criminoso inexistente terminou suscitando a revolta dos moradores da região, que, clamando por justiça e exigindo a busca dos desaparecidos, acabaram ameaçando os indígenas, queimando os postos de pedágio e atacando algumas aldeias, sem que ninguém tenha saído ferido ou morto. Tampouco isso deve ser tolerado. Aliás, os "pedágios" queimados nem deveriam existir, porque são ilegais. Há muito as autoridades indigenistas deveriam ter tomado medidas para removê-los. Nada fizeram e acirraram os conflitos.

A Secretaria de Direitos Humanos, sempre tão pronta a reagir quando acontece qualquer coisa a um grupo que considera privilegiado do ponto de vista de sua atuação, guarda um silêncio obsequioso. A atitude não deixa de ser paradoxal. Em sua peculiaríssima concepção do humano, exclui todos os que são assassinados por uma questão das mais torpes, tendo como autores seus "humanos" escolhidos. Será que os assassinados não são humanos?

Se um indígena morre num acidente de moto, temos uma comoção nacional e mesmo internacional. Se três não indígenas são assassinados, é como se fosse irrelevante. Há assassinos brancos e indígenas e todos devem ser tratados com o mesmo rigor da lei. Já dizia Darcy Ribeiro que os indígenas não são melhores nem piores que os não indígenas. São simplesmente iguais, humanos nesse sentido. Não pode haver dois pesos e duas medidas.

A Comissão Pastoral da Terra, órgão esquerdizante vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), vem, aliás, de publicar um relatório sobre as mortes de indígenas no Brasil listando entre os mortos o cacique Ivan Tenharim, que, sim, morreu, mas, como mencionado, num acidente de moto, o que foi reconhecido por seu próprio filho. Ou seja, o filho do cacique reconhece que o pai morreu num acidente!

O abuso ideológico parece, todavia, não ter limite algum. Trata-se simplesmente de sua exploração política. "Estatísticas" desse tipo, de pouquíssima credibilidade, como se pode ver, têm o objetivo de sempre culpar os empreendedores rurais, o "latifúndio", a "monocultura", e assim por diante. Eis outra forma de "estatística criativa"!

Há todo um panorama de fundo que revela, para além dos assassinatos, o fracasso da política indigenista em vigor. Uma coisa é a imagem vendida, voltada para capturar a simpatia dos incautos que vivem nas grandes cidades, outra é a realidade, que resiste ferozmente a esse tipo de exploração da opinião púbica.

Segundo a Funai, o Conselho Indigenista Missionário e as ONGs indigenistas, os indígenas viveriam reclusos, à margem da civilização, sobrevivendo de caça e pesca. Esse é o discurso vendido à mídia em geral e amplamente comprado. Note-se que os indígenas da região possuem terras suficientes. O problema não é fundiário, ao contrário do que é corriqueiramente alardeado.

Ora, cada casa na aldeia tem uma moto em frente e elas são dotadas de TV e internet. Os indígenas vivem a maior parte do tempo, mesmo trabalhando, em cidades, como Humaitá. São, pois, aculturados - embora a Funai deteste esse nome, que contraria tudo o que faz. Querem, isso sim, as comodidades da civilização e não sua subtração. Querem o bem-estar que almeja todo brasileiro. Deveriam ser contemplados em suas demandas, com políticas sociais (educação, saúde, emprego, moradia e luta contra o preconceito) que atendessem às suas exigências. Trata-se do seu direito!

Mais importante ainda foi a declaração de um cacique de que o modelo indigenista da Funai está ultrapassado. Um cacique do Norte do Brasil tem a mesma posição dos "ruralistas", ambos coincidindo na ideia de que o País deve sofrer uma profunda revisão de sua política indigenista.

Mas a Funai procura aproveitar-se da situação, dizendo que o problema geral do País é meramente fundiário. Ou seja, esse órgão estatal vive da ficção ideológica de fazer do Brasil uma espécie de museu indigenista, na verdade, uma forma de zoológico. Não são os interesses dos indígenas que são atendidos, mas as posições ideológicas verbalizadas em escala nacional e global pelos ditos movimentos sociais e pelas ONGs indigenistas.

O círculo é totalmente vicioso. Os indígenas responsabilizam a Funai, que, por sua vez, culpa os produtores rurais, que reagem às provocações, que repercutem na mídia como se fossem eles os responsáveis pelos conflitos indígenas. O status quo só favorece os semeadores de conflitos e de violência.

*Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

MORTOS EM ÁREA INDÍGENA NO AMAZONAS

FOLHA.COM 04/02/2014 19h37

Familiares reconhecem corpos de mortos em área indígena no AM

JAIRO BARBOSA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM PORTO VELHO (RO)




Familiares dos homens desaparecidos desde meados de dezembro passado em Humaitá (AM) reconheceram nesta terça-feira (4) os três corpos,localizados na segunda-feira pela Polícia Federal no trecho da Transamazônica que corta a reserva indígena dos Tenharim.

Os corpos do funcionário da Eletrobras Aldeney Salvador, do representante comercial Luciano Ferreira e do professor Stef de Souza estão no IML (Instituto Médico Legal) de Porto Velho, que em dez dias entregará um laudo no qual indicará as causas das mortes.

Dois peritos do Ministério da Justiça foram enviados a Rondônia para acompanhar o trabalho dos legistas locais e recolher material genético para futuro exame de DNA em Brasília.

"É ele sim, é ele. Os pés, as mãos, um sinal no rosto, tudo, é ele sim", disse a aposentada Luzimar dos Santos Ferreira, após reconhecer o corpo do filho, Luciano Ferreira.

Os corpos serão liberados aos familiares para providenciar velório e enterro. Ferreira deve ser enterrado em Humaitá, enquanto Souza seguirá para Apuí (AM). Já familiares de Aldeney Salvador decidiram levar o corpo para Manaus, capital do Amazonas.

O trio viajava junto de carro pela rodovia Transamazônica quando desapareceu, em 16 de dezembro, o que desencadeou violentos protestos em Humaitá.

Moradores da cidade, que responsabilizam os indígenas pelo sumiço dos homens, atearam fogo à sede local da Funai (Fundação Nacional do Índio) e destruíram veículos e barcos que transportavam índios.

A população não indígena chegou a ligar os desaparecimentos a uma possível retaliação dos índios à morte do cacique Ivan Tenharim, 55.

A partir disso, a Polícia Federal iniciou uma investigação que terminou com a prisão, na semana passada, de cinco índios da etnia tenharim por suposto envolvimento no assassinato dos três homens. Eles seguem presos em Porto Velho, a 200 km de Humaitá.

Entre os cinco presos estão o cacique Domiceno Tenharim, da aldeia Taboca, onde as buscas pelos corpos se concentraram, e dois filhos do cacique Ivan Tenharim, morto no início de dezembro após cair de uma moto –um inquérito sobre o caso ainda não foi concluído.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

VIOLÊNCIA CONTRA ÍNDIO ESTÁ BANALIZADA, DIZ PRESIDENTE DA FUNAI

FOLHA.COM 02/02/2014 02h00


PATRÍCIA BRITTO
DE SÃO PAULO




No comando de uma área repleta de conflitos, a presidente interina da Funai (Fundação Nacional do Índio), Maria Augusta Assirati, 36, diz que a violência contra indígenas está se "banalizando".

Em entrevista à Folha, ela admite que, sozinho, o órgão não consegue lidar com o barril de pólvora das disputas entre índios e produtores rurais. Há sete meses no cargo, ela só teve uma reunião com a presidente Dilma Rousseff.

Anteontem, um dia após a entrevista, cinco índios foram presos no AM sob suspeita de matar três homens. Em nota, a Funai disse desconhecer os motivos das prisões e afirmou monitorar a situação.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Sérgio Lima-31.jan.2014/Folhapress

A presidente interina da Funai, Maria Augusta Assirati, em seu gabinete em Brasília

*

Folha - Os conflitos indígenas no Brasil têm se agravado. Por que se chegou a esse ponto?
Maria Augusta Assirati - De uns anos para cá, as demarcações de terras indígenas estão concentradas na porção sul e centro-sul do país. São regiões difíceis de se trabalhar, porque muitos agricultores têm títulos das terras.

O governo Dilma foi o que menos homologou terras indígenas desde FHC. Por quê?
Sobretudo por essa intensificação dos conflitos. Para evitar conflitos com desfecho negativo, o governo estabeleceu mesas de diálogo.

Há na Funai sete estudos sobre terras indígenas que esperam a sua assinatura para ter continuidade na demarcação. Por que não assina?
Um pouco em função dessa orientação; onde o governo compreendeu que pudesse gerar conflito, se pensou em fazer um diálogo prévio.

Isso não agrava os conflitos?
O governo federal é composto por diversos órgãos. A nossa posição nesses diálogos é no sentido da defesa dos direitos indígenas. Mas o governo federal é mais amplo.

Segundo o Cimi [Conselho Indigenista Missionário], a média anual de índios assassinados passou de 20,9 nos mandatos de FHC para 56 nas gestões de Lula e de Dilma. Há descaso do governo?
Os indígenas ainda estão no centro de ação de grande preconceito, de racismo, e são vítimas, ainda, de uma violência grande no país.

O que o governo tem feito para resolver esses conflitos?
Essa iniciativa da mesa [de negociação] foi interessante porque é justamente voltada para a redução dos conflitos, mas é um caminho longo. Acredito que se chegou a um ponto de uma banalização desse tipo de violência.

A estrutura da Funai é insuficiente?
A Funai tem atuação em todo o Brasil e atende segmentos da população que estão em lugares com logística difícil de acesso. Precisamos ter presença mais frequente do ponto de vista da proteção territorial; garantir que áreas já regularizadas não sejam ocupadas para exploração ilícita de recursos naturais.

O que acha da proposta de dar ao Legislativo a atribuição de demarcar terras indígenas?
Na perspectiva da Funai, é bastante negativa, porque atrasaria em muito os processos e traria uma série de componentes políticos, de disputas entre segmentos que integram o Congresso.

E da proposta do Ministério da Justiça de incluir outros órgãos nas demarcações?
O decreto que rege a regularização fundiária das terras indígenas já tem um dispositivo que prevê a possibilidade de consulta a outros órgãos. A portaria propõe a regulamentação da forma de participação desses órgãos. Se eles tiverem efetivamente a capacidade de contribuir, a ação é bem-vinda.

Os conflitos na construção de Belo Monte vão se repetir na região do rio Tapajós (PA), onde o governo quer licitar novas hidrelétricas?
Esperamos que não. Por termos aprendido com a experiência de Belo Monte, esperamos fazer melhor.

Existe pressão do governo para ser permissiva em áreas onde há interesse em realizar obras de infraestrutura?
É evidente que existe uma necessidade de priorizar ações. Todos os órgãos intervenientes, como o Ibama, são sempre instados a ter manifestações céleres em ações prioritárias para o governo.

*

RAIO-X: MARIA AUGUSTA ASSIRATI, 36

CARGO Presidente interina da Funai (desde junho de 2013)
FORMAÇÃO Bacharel em direito (Unip) e mestre em desenvolvimento e políticas públicas (Ipea e Fiocruz)
ATUAÇÃO Foi diretora de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável da Funai (junho de 2012 a junho de 2013) e diretora do Departamento de Diálogos Sociais da Secretaria-Geral da Presidência (março a junho de 2012), entre outros, com atuação nas áreas de direito público e gestão pública



sábado, 1 de fevereiro de 2014

ÍNDIOS TENHARIM MATARAM E ESCONDERAM CORPOS

FOLHA.COM 31/01/2014 15h22

Índios presos no AM mataram três pessoas e esconderam corpos, diz PF


JULIANA COISSI
DE SÃO PAULO
JAIRO BARBOSA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM PORTO VELHO



A Polícia Federal apontou índios da etnia tenharim da região de Humaitá (AM) como os responsáveis pelo assassinato, dentro de uma aldeia da etnia, de três homens que estão desaparecidos desde o mês passado. A PF afirmou ainda que os suspeitos ocultaram os cadáveres.

A PF divulgou nota nesta sexta-feira (31) sobre a investigação. Uma ação na noite de quinta-feira (30) prendeu cinco índios suspeitos dos crimes. Todos vivem em aldeia localizada entre os kms 100 e 150 da BR-230, no sul do Amazonas.

A pedido da PF, a Justiça Federal expediu cinco mandados de prisão temporária contra os suspeitos.

Conflitos em Humaitá 

Avener Prado/Folhapress
Com o auxílio de cães farejadores, a PF, a Força Nacional e o Exército fazem buscas para localizar três pessoas desaparecidas na região da aldeia Taboca, próxima a cidade Humaitá, no Amazonas Leia mais

"As conclusões da investigação apontam para a ocorrência de homicídio praticado pelos presos dentro de uma das aldeias e posterior ocultação dos cadáveres. Os corpos ainda não foram localizados", informou a PF.

O funcionário da Eletrobras Aldeney Salvador, o representante comercial Luciano Ferreira e o professor Stef de Souza viajavam juntos pela rodovia Transamazônica no dia 16 de dezembro quando desapareceram.

No início deste mês, policiais localizaram peças de carro queimadas dentro da terra indígena tenharim. A PF ainda não divulgou o resultado da perícia sobre o material.

O desaparecimento dos três homens desencadeou violentos protestos em Humaitá no fim de dezembro. Moradores atearam fogo à sede local da Funai e destruíram veículos e barcos que transportavam índios.

Policiais federais já percorreram cerca de 270 hectares da área tenharim, com a ajuda de cães farejadores, na tentativa de localizar os possíveis cadáveres. Também foram empregados equipamentos de rastreamento das peças metálicas escondidas.

RETALIAÇÃO

Na época das revoltas contra os indígenas da região, a população não indígena chegou a acreditar que os desaparecimentos teriam sido provocados por índios tenharim em retaliação à morte do cacique Ivan Tenharim, 55.

A versão da polícia, segundo a qual o índio morreu em um acidente de carro, foi questionada em post um no blog da Funai. Moradores acreditam que o texto teria incitado os índios. Depois do episódio, a Funai exonerou o coordenador regional que publicou o post, apontando-o como incentivador da tensão.

A família do cacique não partilhava da suspeita de que a morte foi mais do que um acidente. "Em nenhum momento a gente falou que o meu pai foi assassinado. A gente não protestou nem chegou a acusar ninguém", disse Gilvan, 24, filho de Ivan. Ele explicou que a família não autorizou a autópsia completa por questões culturais.

FAMILIARES ESPERAM INFORMAÇÕES

Após a divulgação da prisão dos índios, parentes de um dos homens desaparecidos foram buscar informações na PF em Porto Velho, para onde os índios suspeitos foram levados.

Jairo Barbosa/Folhapress

Familiares de homem que, segundo a PF, foi morto por índios tenharim


Chorando, o pai e o irmão de Stef de Souza (43) diziam ainda não acreditar na morte do professor, um dos três desparecidos em Humaitá. A PF não encontrou os corpos, mas dá as mortes como certas.

"Quem garante que a Justiça irá manter esses índios presos? Prisão nenhuma vai amenizar a dor que estamos sentindo. A esperança era que fossem encontrados vivos, mas isso acabou", disse Stefanon Pinheiro de Souza, irmão do professor.
Editoria de arte/Folhapress